PAGU – Em 1931, Pagu desancava a burguesia paulistana e suas grã-finas ociosas na coluna “A mulher do povo”. Lá também criou uma história em quadrinhos em que Kabeluda, uma garota revolucionária, ironizava os costumes da época. O nome da seção capitaneada por Pagu foi batizada como contraponto ao título do jornal em que ela escrevia, O Homem do Povo, jornal criado por ela e seu companheiro, o escritor Oswald de Andrade.
Depois de causar muita polêmica em oito edições na aristocrática cidade de São Paulo, o jornal daquele casal de intelectuais comunistas foi invadido pelos estudantes caretas da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, e proibido pela polícia.
Essa é só uma das muitas histórias dessa mulher única que foi Pagu. Jornalista, escritora, desenhista, tradutora, crítica e militante política, Patrícia Galvão, a Pagu, teve coragem quando raríssimas tinham e questionava o que muitas e muitas aceitavam.
Patrícia Rehder Galvão, a Pagu, nasceu em 9 de junho de 1910 em São João da Boa Vista, interior de São Paulo. Ela morreu em Santos no dia 12 de dezembro de 1962
Pagu foi a primeira mulher brasileira presa por motivos políticos. Também em 1931, o estivador Herculano de Souza foi morto pela polícia em comício na cidade de Santos, em homenagem aos operários anarquistas Sacco e Vanzetti, injustamente acusados de homicídio nos Estados Unidos e executados na cadeira elétrica. Herculano caiu nos braços de Pagu, que pediu a todos que cantassem a Internacional. Ela e outros militantes foram presos pela polícia. Pagu foi presa 23 vezes, amargando quatro anos e meio no cárcere, onde foi maltratada e torturada.
Em 1930, Pagu havia viajado para Buenos Aires para encontrar o líder comunista Luís Carlos Prestes, que vivia no exílio, acaba conhecendo o escritor Jorge Luis Borges na capital argentina e Prestes ali ao lado, em Montevidéu. Na volta ao Brasil, ela filia-se ao Partido Comunista.
Seguindo os ditames do Partido Comunista, Pagu passa a viver como uma proletária e trabalha como metalúrgica e empregada doméstica. Em cumprimento a ordens partidárias, ela foi para a cama com quem não queria para obter informações políticas. Em 1939, o Comitê Regional do partido, em decisão absurda e repleta de falso moralismo, a expulsa da agremiação desqualificando-a como “conhecida pelas suas atitudes escandalosas de degenerada sexual”, como revela o livro Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo, do jornalista Mário Magalhães.
Em 1945, Pagu escreve o livro A Famosa Revista a quatro mãos com seu marido, o jornalista Geraldo Ferraz, que satiriza o personalismo e a burocracia do Partido Comunista. Em 1950, ela candidata-se a deputada estadual pelo Partido Socialista e publica o panfleto Verdade e liberdade, expondo os motivos que a levaram a romper com o partidão.
“Pagu tem uns olhos moles/ uns olhos de fazer doer/ Bate-coco quando passa/ Coração pega a bater/ Eh Pagú eh!/ Dói porque é bom de fazer doer (…)” (poema de Raul Bopp em homenagem a Pagu).
Foi Raul Bopp, poeta modernista, quem apelidou Patrícia Galvão de Pagu, que nasceu de uma confusão: Bopp trocou o sobrenome Galvão por Goulart. O apelido pegou. Teria sido Bopp quem apresentou a pós-adolescente Pagu ao casal Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. Com apenas 15 anos, Patrícia já tinha conhecido outro modernista, Mário de Andrade, seu professor no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo.
Aos 19 anos, Pagu forja lua de mel em Santos, cidade que tanto amou, com o pintor Waldemar Belisário, primo de Tarsila do Amaral. Esposa de Oswald à época e amiga de Pagu, Tarsila colabora na farsa por acreditar que Pagu desejava se libertar das amarras familiares. Na cidade litorânea, Oswald e Pagu enfurnam-se em uma pensão longe da vista de todos. Tarsila jamais perdoou os dois.
No dia 5 de junho de 1930, Pagu e Oswald firmam um compromisso matrimonial em frente ao jazigo da família Andrade, no cemitério da Consolação. Em 25 de setembro, nasce o filho do casal, Rudá Poronominare Galvão de Andrade. A jornalista conviveu pouco com o filho, criado pelas futuras esposas de Oswald e por Nonê, primeiro filho do escritor. Oswald de Andrade e Pagu separam-se em 1935.
“Esse crime, o crime sagrado de ser divergente, nós o cometeremos sempre” (Pagu).
Com 23 anos e procurada pela polícia, Pagu viaja pela Ásia e Europa. Na França, tem contato com o escritor André Breton e outros surrealistas. Na China, como jornalista, conhece o imperador chinês Pu-Yi e traz as primeiras sementes de soja que foram plantadas no Brasil. Neste mesmo ano, 1933, publica sua obra literária mais conhecida, “Parque Industrial”, sob o pseudônimo de Mara Lobo, considerado o primeiro romance proletário do Brasil. Com estética modernista, o texto utiliza linguagem coloquial e é composto por blocos de escrita. Tendo como cenário o pobre bairro operário do Brás, Pagu pratica uma literatura panfletária e ativista.
Novamente presa na repressão que se seguiu à Revolta Comunista de 1935, ao ser libertada anos mais tarde, passa a viver com o jornalista Geraldo Ferraz. Da união, nasce Geraldo Galvão Ferraz em 1941.
“Tenha até pesadelos, se necessário for, mas sonhe” (Pagu).
Sua atividade jornalística intensifica-se nos anos 40 e 50. Pagu escreve crônicas, artigos, poemas e críticas em diversos veículos de comunicação. Divulga sempre autores marcados pelo inconformismo e de vanguarda como Alfred Jarry, Fernando Arrabal e Samuel Beckett. Nesse período, também é pioneira na tradução de autores como Artaud e Apollinaire.
Também realiza leituras públicas de textos teatrais em Santos, onde passa a viver. O dramaturgo Plínio Marcos mostrou seus primeiros textos para Pagu em um bar de Santos. Eles se conheceram quando um dos atores da montagem realizada por Pagu de peça infantil Pluft, o Fantasminha, adoeceu e Plínio o substituiu. A escritora gostou do que leu e incentivou o novato.
Há um século, o modernismo atropelou o conservadorismo e abriu as portas ao progresso