O agravamento da crise política demanda a aliança entre PDT, PT PCdoB e PPL em busca de saídas reais para o imbróglio em que o país está afundado
por Cássio Moreira
Os golpes, sejam eles civis, militares ou parlamentares tem o efeito de tornar evidente o embate entre projetos. Os de 1964 e o de 2016 serviram para mostrar como projetos radicalmente antipopulares só podem ser implantados de forma não democrática. O de 1964 foi um marco para visualizar de forma clara dois projetos para o país que divergem centralmente em torno da questão da independência econômica do Brasil. O nacional desenvolvimentismo foi a estratégia adotada pelos governos de Vargas (1951-1954) e João Goulart (1961-1964). Nacional por que via na dependência econômica (comercial, tecnológica e financeira) os principais entraves ao desenvolvimento. Para isso seria necessário o desenvolvimento do capital nacional de forma a romper com a dominação estrangeira e promover uma forte indústria nacional.
“As nações expansionistas viram que o domínio sobre os povos de outra raça, outra língua, outra religião e outros costumes, é odioso e desperta o orgulho pela pátria, gera nacionalismo e incita os ânimos à revolta e às reivindicações da liberdade. A experiência ensina assim aos povos fortes outros caminhos que os leva, sem aqueles inconvenientes, à mesma finalidade: é o caminho da dominação econômica, que prescinde do ataque frente à soberania política. Esse o perigo que nos cumpre evitar. Os fortes passaram então a apossar-se das riquezas econômicas dos povos fracos, reduzindo-os à impotência e, pois, à submissão política” (Artur Bernardes).
Como forma de reação ao nacional-desenvolvimentismo surgiu um modelo híbrido chamado de dependente-associado, que não negava a participação ativa do Estado, porém atribuía outro papel ao capital estrangeiro. Papel esse, fundamental, de parceria e promoção dos investimentos em setores mais intensivos em capital. O fortalecimento dessa corrente se deu com a criação da Instrução 113 da Sumoc (Superintendência da Moeda e do Crédito) pelos economistas Eugênio Gudin (diretor da empresa multinacional norte-americana Amforp – American Foreign Power) e Otávio G. Bulhões, dirigente da Sumoc. A instrução não foi revogada pelo governo JK e sim, apenas, pelo de João Goulart com a Instrução 242.
O modelo dependente-associado de certa forma “cooptou” o capital nacional associando-o com os interesses do capital estrangeiro, sob a tutela e parceria do Estado Nacional. Essa aliança propiciaria a atração de capitais e a modernização do parque industrial por meio de aporte tecnológico. De fato, no governo JK e, em especial, pós-golpe de 1964 houve uma modernização da economia, porém as velhas estruturas sociais e a dependência externa não foram alteradas. O resultado seria um aumento da dependência tecnológica e estrutural, dada a importância crescente das empresas multinacionais no fornecimento de componentes industriais e bens e serviços, e uma dependência financeira com o brutal endividamento externo, acirrado com a elevação da taxa de juro norte-americana em 1979.
O golpe parlamentar de 2016 foi outro marco para visualizar de forma clara novamente dois projetos em disputa: o social-desenvolvimentismo e o projeto neoliberal. Novamente, o fator mais divergente é a independência econômica do Brasil.
Em 2002, com a eleição de Luiz Inácio “Lula” da Silva, o Brasil, após um experimento de manutenção da política econômica (tripé macroeconômico) anterior nos primeiros anos do governo Lula (2003-2005), passou a reordenar a atuação do Estado na coordenação dessa política econômica em prol de uma espécie de um novo desenvolvimentismo marcado pelo social, o que foi chamado de social-desenvolvimentismo por alguns autores. Este seria a manutenção do crescimento da renda e do emprego com a adoção de uma política social ativa de inclusão social.
Essa nova tentativa de desenvolvimentismo, entretanto, pecou em não deixar como variável principal, para sua sustentação ao longo prazo, a fomentação de uma ideologia nacional do desenvolvimento. A falta desse caráter nacional na implementação no projeto de inclusão social dos governos Lula (PT) ficou visível na utilização das cores da bandeira do Brasil nos protestos contra o governo Dilma. Esse governo, mesmo usando os dois pilares do projeto Varguista (nacional-desenvolvimentista) – a Petrobras (política de compra nacional) e o BNDES (desenvolvimento de grandes multinacionais brasileiras) – acabou não deixando claro para a população a existência de um projeto nacional para o país. Embora, tenha criado uma estatal do Pré-Sal, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), os programas Luz para Todos e Minha Casa Minha Vida, a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, a Política de Desenvolvimento Produtivo, entre outros, não foram suficientes para caracterizar um projeto nacional integrado, no máximo um projeto de inclusão social. Que de certa forma retoma, apenas em parte, o projeto nacional-desenvolvimentista dos governos trabalhistas de Vargas e Goulart num contexto de globalização. Mas não atacou a raiz do problema que é a dependência econômica (comercial, produtiva, financeira e tecnológica) por meio de reformas estruturais (as chamadas Reformas de Base do governo Goulart).
Esse esboço de projeto social (com um pequeno viés nacional) entretanto, foi interrompido com a mudança da política econômica do segundo governo Dilma e a ascensão ao poder do seu vice, Michel Temer, que adotou as bases do programa econômico da oposição manifestado no documento “Uma Ponte para o Futuro”.
Atualmente, vemos a volta da ideologia neoliberal sendo implementada numa alta velocidade, talvez em virtude da pouca legitimidade e durabilidade de um governo cujo projeto não foi legitimado nas urnas. Sua ilegitimidade e impopularidade explica a pressa em implementá-lo. Contudo, desde a desconstrução do governo Dilma (a partir das manifestações de junho de 2013), a população tem absorvido, por meio de uma campanha de propaganda sistemática do oligopólio dos meios de comunicação, alguns valores neoliberais, derrotando, no senso comum da população, as ideias trabalhistas (designadas pejorativamente de “comunistas”).
Portanto, a única alternativa de esquerda viável nesse contexto no Brasil é o ideário trabalhista como resposta ao neoliberalismo. O trabalhismo, enquanto doutrina política, não é um conceito estático, e sim adaptado ao seu contexto histórico. Geralmente é por meio das ideologias políticas e econômicas que nos é oferecido o enredo que justifica as decisões a serem tomadas e as ações que determinados governos executam em uma determinada nação. No caso do trabalhismo no Brasil, essa ideologia política sempre veio acompanhada de uma ideologia econômica desenvolvimentista. Nos governos de Getúlio Vargas foi o nacional-desenvolvimentismo, no de João Goulart foi o nacional-reformismo e nos dos presidentes Lula (a partir de 2006) e Dilma Rousseff foi o social-desenvolvimentismo (um contraponto a essa associação pode ser o do governo Geisel: um governo de nacional-desenvolvimentismo sem ser trabalhista).
Entretanto, o trabalhismo deve resgatar o seu aspecto principal que é o nacionalismo. O trabalhismo de raiz brasileira, personificado nos governos Vargas e Goulart e o seu antigo partido (o PTB da época), tem tudo para ser resgatado com o projeto defendido pelo pré-candidato Ciro Gomes (PDT). Contudo, sem esquecer as grandes contribuições sociais feitas pelos governos Lula e Dilma (PT).
Bresser-Pereira, no lançamento do manifesto “Projeto Brasil Nação” em abril de 2017, salientou que: “intelectuais não resolvem muita coisa” […], nós precisamos de políticos, e essa tentativa de “desmoralização” dos políticos hoje é uma coisa muito grave; […] no processo de elaboração desse projeto eu resolvi chamar o Ciro Gomes e o Fernando Haddad para discutir com eles esse novo desenvolvimentismo, ou seja para discutir com eles esses cinco pontos que estão aí. […] Nós precisamos que alguns políticos como eles, que sejam capazes de comandar esse processo de renovação das ideias nacionalistas, desenvolvimentistas e sociais brasileiras […] pois o Brasil precisa voltar a ser uma nação”. Os cinco pontos do manifesto a que Bresser-Pereira se referiu são: 1. Regra fiscal que não seja mera tentativa de reduzir o tamanho do Estado à força, como é a atual regra; 2. Taxa de juros mais baixa, semelhante àquela de países de igual nível de desenvolvimento; 3. Superávit em conta corrente, necessário para que a taxa de câmbio assegure competitividade para as empresas industriais eficientes; 4. Retomada do investimento público; e 5. Reforma tributária que torne os impostos progressivos.
O projeto trabalhista precisa da aproximação cada vez maior entre PT e PDT. Antigamente, Brizola sonhava em unir PDT e PTB, mas na época o PT não tinha esse caráter trabalhista. Hoje alguns dos seus netos veem essa união entre PT e PDT como fundamentais para o Brasil. Seus dois grandes lideres Getúlio e Lula têm muitas diferenças, desde as suas origens até as formas com que conduziram seus governos, mas possuem o mesmo inimigo: o liberalismo econômico. Em discurso de 12.06.2010, Dilma lembrou sua militância dentro do PDT e também fez referência à história do trabalhismo, citando as trajetórias de Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola, fundador do PDT. ”Nós podemos dizer hoje que somos a continuidade desse processo”, afirmou. Dilma passa em revista toda a história do trabalhismo e cita que o objetivo do seu governo é o mesmo do governo do ex-presidente João Goulart: “promover “progresso com Justiça, desenvolvimento com distribuição de renda”, que é o nosso modelo, e que foi afastado do poder”. Em outro discurso, de 10.06.2014, faz questão de citar conquistas sociais e econômicas promovidas pelos governos dos presidentes Getúlio Vargas e João Goulart – como a criação da Petrobras, da Vale do Rio Doce e do BNDES – e, também, a permanente luta de Brizola e Darcy Ribeiro pela educação pública de qualidade. Dilma salientou a importância e o legado de Getúlio Vargas. “Sem ele não teríamos o Estado nacional e a sua estrutura que temos hoje”. Sobre João Goulart, o Jango, classificou-o como “um democrata que construía consensos” e que colocou no centro dos debates pautas que até hoje são exigidas pela população. Para definir Darcy Ribeiro, Dilma afirmou que foi “o homem capaz de pensar a Universidade de Brasília, como ela é hoje, e de também projetar os Cieps (Centros Integrados de Educação Pública)”. Por fim, emocionada, referiu-se a Leonel Brizola como o político da legalidade e que “deu início à política de expansão da educação”. Continua citando que uma das maiores contribuições do PT a esse projeto foi a diminuição das desigualdades sociais alcançada nos últimos anos.
http://www.zonacurva.com.br/como-ministro-de-getulio-jango-revelou-entranhas-brasil/
Por isso a importância da união entre PDT e PT nas eleições de 2018 (se houver). Entretanto, mesmo num contexto histórico muito distinto, ainda vigorará o embate entre dois projetos completamente diferentes: um de independência econômica do Brasil x submissão do Brasil aos interesses internacionais. Isso justifica a importância da aliança entre o projeto nacional-desenvolvimentista do PDT com o projeto social-desenvolvimentista do PT sob o mantra do Trabalhismo.
O movimento Ciro-Haddad foi iniciado em dezembro de 2016 pensando na necessidade que o Brasil tem dessa aliança. Percebendo o avanço do Liberfascismo (fascismo e liberalismo econômico) entendeu-se que a união das esquerdas em prol de um projeto nacional de desenvolvimento é fundamental neste momento histórico. O antipetismo está destruindo nossa nação, pois gerou ódios e fissões de nossa elite econômica e política até relações familiares e pessoais. Por isso mesmo, considerando Lula o segundo melhor presidente desse país (atrás de Getúlio Vargas), acredita-se que os setores progressistas devam apoiar Ciro Gomes e o PDT. Entende-se que sem o apoio de Lula dificilmente isso se concretizará. Lula sofre uma perseguição política e não cremos que deram um golpe (travestido de impeachment) nessas proporções para devolver o poder a ele. Por isso, cremos que sua candidatura, posse ou governo será impedida de alguma forma. Diante disso fica a pergunta: quem além de Ciro gostaríamos de ver como presidente? Pensamos que o vice deve ser escolhido fazendo essa pergunta. Dois nomes surgiram: o do senador Requião e o do ex-prefeito Haddad. Entretanto, o primeiro não sairá do PMDB e os setores da esquerda progressista não querem o apoio desse partido. Assim, o outro nome que surgiu foi um dos melhores ministros da educação da nossa história: Fernando Haddad do PT. Surgiu, então, um movimento espontâneo, iniciado por cidadãos, muitos sem filiação partidária (e por isso com uma maior independência de atuação), em prol da chapa dos sonhos do pré-candidato Ciro Gomes. Nasceu então o movimento Ciro-Haddad 2018.
Claro que o ideal seria uma chapa com Lula e Ciro ou Ciro e Lula. Sendo Lula cabeça de chapa, Ciro estaria sendo virtualmente preparado para assumir o legado do lulismo (visto que Lula é maior do que seu próprio partido). Assim posto, Ciro seria o virtual candidato a uma eleição em 2022. O inverso também seria interessante, visto que Ciro no protagonismo da aliança inauguraria uma nova fase na política brasileira e Lula como vice poderia ser uma espécie de embaixador do Brasil para o mundo, dado que ainda mantém um enorme prestigio internacional.
Caso Lula não concorra. Existe também a possibilidade do PT lançar outro nome. Se isso ocorrer será Ciro Gomes do PDT e um outro nome do PT. Isso poderá ser interessante, ambos terem seus candidatos. O raciocínio das cúpulas poderia ser semelhante ao que ocorreu nas eleições de 3 de outubro de 1950. Os partidos getulistas, PSD e PTB, lançaram dois candidatos: a chapa Cristiano Machado-Altino Arantes (PSD-PR) e Getúlio Vargas- João Café Filho (PTB-PSP) concorreu com a de Eduardo Gomes-Odilon Braga (União Democrática Nacional), entre as mais importantes. Vargas saiu amplamente vitorioso, contando, inclusive, com muitos votos de vários eleitores do PSD. A transferência dos votos de Cristiano para Vargas caracterizou um processo de esvaziamento eleitoral que ficou conhecido no jargão político como “cristianização”. Isso poderia ocorrer com o PT lançando candidatura própria ao invés de apoiar Ciro Gomes (PDT). Pois, além de permitir a manutenção ou ampliação da bancada federal focaria todo o ódio antipetista ao candidato (com poucas chances) do PT e deixaria a chapa Ciro (e mais algum empresário nacional para repetir a aliança Lula e José Alencar) mais livre para ser uma alternativa progressista para o Brasil.
O leitor, então, pode se perguntar ao final do texto: “e por que não Lula?” Primeiramente, porque existe a possibilidade de o ex-presidente ficar inelegível. Segundo, porque eleito ainda haverá muitos processos em tramitação o que pode ensejar em um novo golpe parlamentar. Por isso, temos que olhar o Brasil além do período eleitoral de quatro anos. Ademais, embora seja o candidato que está à frente das pesquisas no primeiro turno, por haver um índice de rejeição grande aumenta os riscos de que o antipetismo vença num segundo turno. O Brasil não merece mais quatro anos dessa guerra petismo versus antipetismo que tanto divide a sociedade brasileira. Ela gerou inúmeras inimizades, brigas familiares, destruição da nossa economia por meio da enorme instabilidade política gerada a partir das manifestações de junho de 2013. Essa destruição foi alimentada pela mídia, pela não aceitação da derrota no pleito de 2014 pelo principal partido de oposição (PSDB) e pelo aumento da ideologização de muitas pessoas ligadas à instituições que deveriam ser neutras. Por isso, em prol de um projeto nacional de desenvolvimento para o Brasil, o movimento Ciro-Haddad 2018 defende uma aliança do campo popular, nacionalista e progressista tendo a frente PDT e PT.