Correria, placas derrubadas, carros apedrejados, avenida interditada e bombas de gás. Protesto de camelôs no centro ou riots de Los Angeles em 1992? Nada disso, estamos no Campo Belo, zona sul de Sampa, e a comunidade da Favela do Canão está revoltada com o atropelamento e morte de um adolescente de 14 anos na avenida do ‘doutor Roberto Marinho’.
No bairro, imperam os caros apartamentos e a especulação imobiliária. No meio, no meio mesmo, está lá “a favela que já vai sair daqui”, é o que mais se ouve por aqui. A Favela do Canão ou a Favela das Espraiadas ficou famosa pelo seu mais famoso morador, o saudoso rapper Sabotage.
Nesta tranquila noite de sábado, ao ouvir gritaria, saio à janela e vejo fogueiras, caçambas impedindo o trânsito e motoristas em pânico fugindo dos moradores enfurecidos, o meu primeiro pensamento foi que o dia tão aguardado pela classe média local tinha chegado: o dia do despejo.
Munido de minha máquina fotográfica e de bloquinho, deparei-me com a avenida totalmente bloqueada nos dois sentidos e a PM arremessando suas indefectíveis bombas de gás (‘efeito moral’ nem a pau que a PM paulistana não tem moral há milênios) e muita correria.
O irônico foi observar o culto da igreja evangélica abarrotada prosseguindo normalmente bem no olho do furacão. No momento, lembrei de matéria recente da revista Carta Capital em que descreve a proliferação vertiginosa dos ‘crentes’.
Conversei com moradores que me informaram que um adolescente foi atropelado ontem na movimentada avenida, alguns quiseram até me levar para uma conversa com a mãe do adolescente quando outra correria começou.
A ojeriza da comunidade com a polícia é unânime. Ouvi de um pai de mãos dadas com o filho: “cuidado com esses covardes”. De um grupo de moradores mais exaltado: “vocês não passam de um bando de filhas-da-puta!”. De outro lado, os motoristas estavam apavorados, conferi uma batida de carro em que os motoristas simplesmente não pararam. O dono do carro com a traseira completamente amassada saiu em disparada.
Voltei para casa sentindo que ainda vivemos um apartheid desgraçado nessa cidade. As eleições estão aí. Algo vai mudar? Tomara. A esperança é a única que morre.
* Colaboração nas fotos de Valéria Oliveira