“A sedição [Inconfidência Mineira] surge, porém, na própria classe alta, de que se destaca uma elite letrada que propõe formular e pôr em execução um projeto alternativo ao colonial de reordenação de sua sociedade. Trata-se do mais ousado dos projetos libertários da história colonial brasileira, uma vez que previa estruturar uma república de molde norte-americano que aboliria a escravidão, decretaria a liberdade de comércio e promoveria a industrialização. A eclosão insurrecional deveria ter lugar em 1789, aproveitando a revolta dos “mineiros” contra a espoliação colonial, aumentada por novas taxações já anunciadas sobre uma riqueza minguante. Foi a mal chamada Inconfidência Mineira que, apesar de fracassada por uma delação, nos revela o vigor do sentimento nativista nascente e também o amadurecimento de uma ideologia capacitada para reordenar a sociedade em novas bases.
Tiradentes, a figura principal da conspiração, um militar de ofício, tinha sempre em mãos um exemplar da constituição norte-americana para mostrar como se devia e se podia reorganizar a vida social e econômica depois da emancipação do jugo português. Presos por denúncia, todos os inconfidentes foram desterrados para a África, onde morreram. Exceto o próprio Tiradentes, enforcado após três anos de cárcere e, depois, esquartejado e exposto nos lugares onde antes conspirara, para escarmento da população”.
(trecho extraído das páginas 342 e 343 livro O Povo Brasileiro (1995), Companhia das Letras).
O único réu confesso entre os conspiradores mineiros contra a Coroa portuguesa no final do século XVIII, Tiradentes foi morto aos 45 anos em 21 de abril de 1792. O governo central português transformou sua morte em um aviso aos opositores, o enforcou e esquartejou.
No ano passado, o jornalista Pedro Dória publicou o livro 1789 – História de Tiradentes – Contrabandistas, assassinos e poetas que sonharam a independência do Brasil, que rechaça a imagem tradicional de Tiradentes, muito semelhante a de Jesus. Segundo Dória, Joaquim da Silva Xavier era alto, de feição dura, sem barba e sempre andava com seus instrumentos de extração de dentes.
Tiradentes nasceu entre as cidades de São João del-Rei e Tiradentes e ficou órfão de pai e mãe muito cedo, foi alfabetizado e aprendeu noções de medicina com seu padrinho. Para a média da população do final do século XVIII, ele pode ser enquadrado em certa elite intelectual. Tiradentes foi tropeiro, minerador e boticário (a profissão de dentista não existia à época). Como militar, o alferes (o que corresponde hoje a um sub-oficial) Joaquim da Silva Xavier combateu os roubos de cargas de ouro na estrada que ligava Vila Rica ao Rio de Janeiro.
Ao lado de Tiradentes, os inconfidentes de destaque foram o padre Carlos Correia de Toledo e Melo, os militares Domingos de Abreu Vieira e Joaquim Silvério dos Reis (um dos delatores do levante) e os poetas Cláudio Manoel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga. Em linhas gerais, eles propunham o fim da monarquia e a instalação de uma República, a industrialização do País e a mudança da capital para São João del-Rei. Ironia: a República teria rei nomeando seu centro de poder.
Os chamados inconfidentes contavam com a revolta da população com a derrama, cobrança forçada do imposto conhecido como o quinto (20% sobre a extração de ouro na região extrativista mineira) e outros impostos devidos à Coroa portuguesa. Curiosamente, o visconde De Barbacena, governador da Capitania local, recuou da cobrança, o que enfraqueceu o movimento.
O processo contra os revoltosos durou três anos. Uns foram condenados à morte e outros ao degredo. Entretanto a rainha Maria I escreveu carta de clemência aos chefes da Inconfidência Mineira e os condena ao degredo, com exceção de Tiradentes.
Em 1972, o diretor Joaquim Pedro de Andrade lançou “Os Inconfidentes” em que aborda o movimento pela ótica dos intelectuais que engendraram o movimento. No filme, Tiradentes é interpretado por José Wilker. Assista na íntegra: