por Elaine Tavares
Nos anos 80, Noam Chomsky e Edward Herman escreveram um livro sobre a economia política dos meios de comunicação no qual mostraram que os meios, na verdade, se utilizam de um modelo de propaganda para a fabricação de um consenso sobre os fatos. Não há jornalismo, o que há é uma bem urdida trama para convencer a sociedade de que aquilo que a classe dominante vê como bom é o que deveria ser bom para toda a gente. Naqueles dias, Chomsky e Herman também deixavam claro que o sucesso dessa fabricação do consenso podia acontecer ou não, sempre dependendo de uma série de outras variáveis. De qualquer maneira, asseveravam, esse era o modo de atuação dos meios comerciais massivos.
A análise dos pesquisadores foi sobre os meios de comunicação nos Estados Unidos, mas considerando que o mundo inteiro vive sob a hegemonia do modo de produção capitalista, essa forma de atuar da imprensa estadunidense pode ser observada na maioria dos países. Conforme Chomsky e Herman, existem fatores estruturais para essa fabricação do consenso que decorrem do fato de que os meios de comunicação estão completamente inseridos no sistema de mercado. Não são instituições públicas – ainda que a TV seja concessão pública – são simplesmente empresas privadas em busca do lucro. E essas empresas são de propriedade de pessoas ricas e poderosas, gente com influência dentro do sistema capitalista. Além disso, esses meios são financiados por anunciantes que igualmente estão no topo da pirâmide, bem como pelo dinheiro público através da verba governamental. Sendo assim, os meios são dependentes do governo e das grandes empresas, o que significa que esses atores todos – imprensa, empresas, governos – estão sempre buscando um certo grau de solidariedade, porque dependem uns dos outros para manter o sistema tal qual ele está. Por conta disso, é óbvio que os meios compactuam com a ideologia dominante que é caracterizada por forte anticomunismo, a antítese do capitalismo.
Observando esse modo de organizar dos meios de comunicação e suas determinações estruturais, Chomsky e Herman entenderam como é que acontecem as escolhas do que é considerado notícia e do que não é. Assim, constituíram esse modelo de análise – modelo de propaganda – com o qual conseguem descrever o sistema de controle e processamento da informação.
Passados 30 anos da edição do livro, o modelo desenvolvido pelos pesquisadores segue bastante vivo. Praticamente nada mudou. E, observado os meios de comunicação brasileiros, igualmente pode-se analisá-los usado o mesmo referencial. Os meios comerciais estão no mercado, vendem a informação, logo, informação é negócio. Com ela pode-se manipular até mesmo o futuro. Os donos dos meios são pessoas ricas, com influência dentro do sistema. São dependentes do governo e dos grandes negócios, dos quais recebem verbas para anunciar produtos e ideias. E, sendo assim, como todos são parte do mesmo negócio, obviamente se colocam contrários a qualquer possibilidade de mudança no estado de coisas.
Isso pode ser visto de maneira clara na nossa história recente, desde o início do processo de impedimento da presidenta Dilma. O comportamento dos meios seguiu – de maneira ostensiva – a lógica da fabricação de um consenso. Se a classe dominante queria o PT fora do governo e se queria encarcerar todas as suas lideranças, os meios atuaram em consequência, apostando todos os seus recursos nisso. É por isso que as denúncias contra os corruptos petistas aparecem à exaustão, enquanto as denúncias contra a corrupção de políticos do PSDB ou do PMDB não passam de notas de rodapé. No modelo de Chomsky e Herman eles definem essa diferenciação como “vítimas com valor” e “vítimas sem valor”. Se a vítima for do grupo inimigo, ela é sem valor e seu sofrimento não é noticiado, nem considerado. Se a vítima for do campo capitalista, aí o sofrimento é supervalorizado. É por isso que as lágrimas de Aécio Neves são noticiadas com destaque, enquanto a luta da família de José Genuíno para manter a saúde dele na prisão é vista com desdém. É por isso que a ação contra a mulher de Eduardo Cunha que gastou milhões em Paris é vista como perseguição, enquanto Marisa, a mulher de Lula, é exposta à execração pública por ter um dia pensado em comprar um apartamento. É por isso que um jovem da classe alta, branco e bonito, que, bêbado, mata um negro é noticiado como uma fatalidade e os negros que são assassinados pela polícia são vistos como lixo a ser varrido do mapa. Simples assim. É o modelo de propaganda atuando.
Mas, e o jornalismo mesmo, tem lugar nesse mundo dos meios de comunicação? Essa é uma pergunta crucial para nós, jornalistas, que nos formamos às dezenas a cada ano. Se o que há é apenas propaganda e produção dos consensos que interessam à minoria dominante, qual é nosso papel? O próprio Edward Herman, num texto divulgado na revista Monthly Review, dá a resposta. Ele lembra que esse modelo foi sempre considerado muito pessimista pela esquerda, pois se o processo é assim, não há o que fazer. Bom, pois para isso existe Marx a nos mostrar que a história humana não é algo determinado desde fora, ela é construção coletiva das gentes em movimento. Isso significa que se o modelo de produção das notícias é esse, não quer dizer necessariamente que seus efeitos serão sempre os desejados pela classe dominante. Há momentos em que nem a maior cruzada midiática consegue superar a força de um povo em luta. No caso do Brasil podemos lembrar o movimento “Diretas Já” que, silenciado, venceu as ruas e engoliu as redes comerciais. As vitórias pontuais sempre existem, o que mostra que há brechas e que é possível avançar por aí. Ainda assim, é óbvio, o poder dos meios comerciais não pode ser subestimado.
O mais importante para nós, jornalistas, é ter conhecimento sobre como funciona o modelo. Não dá para ser ingênuo nem servir de massa de manobra. Grande parte dos profissionais é obrigada a trabalhar nos meios comerciais, pois precisam reproduzir a vida. Mas, há que saber o que se está fazendo. Ter consciência crítica e procurar contrabandear para dentro das matérias que são feitas, a possibilidade do escape. Não é coisa fácil, mas Adelmo Genro Filho, no seu livro “Segredo da Pirâmide” ajuda de maneira substancial a produzir um jornalismo que seja forma de conhecimento e que possa transcender à manipulação. Não será possível fazer isso o tempo todo, estando num meio comercial cuja intenção é fabricar o consenso a favor de sua classe, mas há que resistir.
Os novos tempos, com a supremacia das novas tecnologias também apontam desafios diferenciados. Mas, em vez de provocar a mudança nesse modo de operar a informação tem feito reforçá-lo. Com as mudanças na economia e a nova onda de acumulação capitalista a propriedade dos meios se concentra. Poucos donos controlando mais veículos. A publicidade fica ainda mais necessária para os grandes conglomerados empresariais, agora de caráter global. As redações dos meios de comunicação vêm se reduzindo drasticamente, com acúmulo de funções sobre os jornalistas, o que torna o trabalho do repórter ainda mais difícil. Sem tempo e premido pelas diversas funções, o jornalista tende a se acomodar realizando suas pautas sem o recurso da realidade, conseguindo as informações por telefone ou por meios eletrônicos. A autonomia do trabalhador jornalista está cada dia mais reduzida.
Herman também observa que as fontes e a blindagem também estão mais fortalecidas como mecanismos de influência da elite. Ele mostra que existe uma espécie de “indústria” de relações públicas, com mais de 20 mil agentes só nos estados Unidos, bombardeando as redações com notícias já prontas, feitas conforme os interesses das empresas ou instituições governamentais. É o famoso release, que passa a ser incorporado e divulgado sem mudança alguma. Acossado pelo tempo, o jornalista prefere se entregar.
O pesquisador estadunidense diz que hoje, nos EUA, o anticomunismo já é menor, mas foi substituído por algo pior, que é a fé cega no mercado. E, no mundo atual o poder global das empresas transnacionais, instituições do mercado, faz com que quaisquer outras opções além do mercado pareçam demasiado utópicas. A ideologia segue, portanto, atuando firme. No caso da América Latina a ideologia anticomunista reforçou seus tentáculos depois da ascensão de governos mais progressistas e, no Brasil, particularmente cresceu depois de 2013. A Reforma da Previdência é um exemplo claro. Tanto nas peças de propaganda do governo como nas “notícias” veiculadas nos meios comerciais o tom é o mesmo: tudo pelo interesse das grandes empresas. Os meios acabam consolidado a ideia de que a reforma será boa para os trabalhadores, quando na verdade ela só é boa para as empresas de previdência privada e para os empresários em geral.
Assim, três décadas depois do clássico “Manufacturing Consent: The political economy of Mass Media”, o velho modelo de fabricação do consenso ainda segue bastante atual e mostra que os jornalistas avançaram muito pouco no processo de controle do seu próprio fazer. Mergulhada na superexploração do trabalho, a categoria não tem conseguido sequer compreender o modelo que automaticamente segue, e reproduz os interesses da classe dominante de maneira acrítica. Ainda que haja alguma exceção, ela só confirma a regra. A possibilidade do jornalismo como forma de conhecimento, possível inclusive nos grandes meios, ainda não foi compreendida e, em muitos casos, sequer é conhecida. Restam os meios alternativos, populares, comunitários e independentes, mas mesmo esses enfrentam dificuldades na capacitação de seus redatores, que muitas vezes acabam reproduzindo o mesmo modelo de propaganda às avessas e não contribuem de verdade para a construção do pensamento crítico.
Tudo isso nos leva a concluir que para que o jornalismo possa sobreviver faz-se necessário outro modo de organizar a vida. Um sistema libertário no qual a informação seja conhecimento e não convencimento. Um longo caminho ainda a construir…