Zona Curva

Sinfônica da Bahia toca a “ópera da crise”

por Albenísio Fonseca

Em busca de um novo prelúdio para a existência, a Osba-Orquestra Sinfônica da Bahia vem buscando atravessar a “ópera da crise” gerada pela grave situação que envolve sua manutenção há, pelo menos, 10 anos. Tal condição ainda tem se mostrado muito aguda. Mas a perspectiva é de que consiga superar a ameaça de um “grand finale” e alcance consagradora apoteose até o fim do ano. O maestro Carlos Prazeres e o secretário de Cultura Jorge Portugal têm audiência com o governador Rui Costa agendada para o próximo dia 4 de maio, quando apresentarão as demandas da Sinfônica.

A Orquestra fantasiada de Super Heróis durante o Cine Concerto e para denunciar a grave condição do corpo artístico do TCA  (fonte: Adenor Gondim/Divulgação)
A Orquestra fantasiada de Super Heróis durante o Cine Concerto e para denunciar a grave condição do corpo artístico do TCA  (fonte: Adenor Gondim/Divulgação)

O regente garante que a questão “tem recebido grande atenção por parte do governo”; que ele “tem consciência da crise” e que “quer ser parceiro na resolução das pendências e não um entrave”. Fez questão de acentuar, ainda, o quanto “temos sentido boa vontade por parte do governo e sabemos que não dá para virar uma Osesp – Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo da noite para o dia”. Lembrou, inclusive, que “já houve, em 2014, a iniciativa da gestão estadual em publicar no Diário Oficial um edital anunciando a intenção de publicizar a Osba, mas aí entrou a crise”, lamentou.

As dificuldades da Orquestra se agravaram em 2007, quando era regida pelo maestro Ricardo Castro e aventou-se a possibilidade da adoção do regime de “publicização”, uma espécie de PPP – Parceria Público Privado que consiste na  transferência  da gestão de serviços e atividades, não exclusivas do Estado, para o setor privado, assegurando à entidade autonomia administrativa e financeira. Os músicos, no entanto, não aderiram à novidade e a lenta agonia (quase em “moderato”, como diríamos de um andamento musical) continuou pairando sobre esse corpo artístico do Teatro Castro Alves.

Em 2011, o maestro Carlos Prazeres assumiu a regência. O então secretário de Cultura, Albino Rubim, retomou a alternativa sobre o tema da publicização e promoveu seminários nos dois anos seguintes. Para tanto, trouxe a Salvador representantes de outras sinfônicas que haviam aderido a este tipo de gestão, como as de São Paulo, de Minas, Paraná e a da Petrobras, apontadas por Prazeres como “as maiores do País, juntamente com as de Porto Alegre e Brasília”. Os músicos da Osba acabaram convencidos de que a terceirização da gestão seria uma “tábua de salvação” no meio da oceânica tormenta, única forma capaz de proporcionar, digamos, um “allegretto” à orquestra criada em 1982, durante o primeiro governo Antônio Carlos Magalhães.

A Sinfônica durante apresentação no Casarão do MAM – Museu de Arte Moderna da Bahia (fonte: Adenor Gondim/Divulgação)

Embora tenha gerado público e tornado suas apresentações bastante concorridas nesse meio tempo, a Sinfônica da Bahia, de acordo com o regente, “ainda que dispusesse de verba, carece de legislação que adeque o direcionamento para servir à música de concerto, desde as licitações em tempo hábil para aquisição de instrumentos de qualidade à disponibilidade da captação de recursos, mas a Osba não dispõe sequer de razão social própria”. Segundo Carlos Prazeres, “poderíamos até recorrer à Lei Rouanet, mas isso tende a chocar-se com outros projetos da Fceba -Fundação Cultural do Estado da Bahia, à qual a Sinfônica está subordinada”. Esse ano já promoveram a “Osba em Casa”, com o cantor e compositor Luiz Caldas e com a acordeonista Lívia Mattos, “trazendo a plateia para o palco do TCA, pois nossa capacidade sonora é similar à de um radinho de pilha”, ironiza.

Aporte de recursos – Acontece que a licitação para a publicização – que levará a Orquestra a ser gerida por uma OSIP – Organização Social de Interesse Público – requer aporte de recursos estimado em R$ 8 milhões e outros R$ 6 milhões para manter a sinfônica funcionando. Prazeres reconhece que “a crise financeira tem inviabilizado tais dotações” por parte do estado, mas garante que “vem sendo estudada uma redução nesses montantes”. De todo modo, destaca que “a organização que vier a assumir a gestão do corpo artístico é que vai dar as estimativas das verbas necessárias”.

Segundo o secretário de Cultura, Jorge Portugal, “a licitação será lançada ainda este ano. Já temos a Associação dos Amigos do Teatro Castro Alves como uma entidade interessada em assumir a Osba, embora isso vá depender das demais propostas a serem licitadas”. Conforme Jorge, “no atual modelo não podemos aceitar patrocínios de grandes empresas, enquanto com a publicização isso será viável, assegurará a orquestra e evitará o desembolso maior do estado”. Portugal salienta que “o Governo está sob contingência de verbas, operando no limite prudencial dos recursos no que pese a Lei de Responsabilidade Fiscal em decorrência mesmo da crise econômica e financeira em curso no Brasil”.

 

Orquestra permanece sem orçamento

A área de Cultura vive sob certa penúria. A Osba permanece sem orçamento e a condição do Balé do TCA, outro corpo artístico do teatro e subordinado à Fceba, também é delicada, mas é certo que há ações estruturantes do governo no que tange às reformas e ampliações da Concha Acústica e da segunda etapa do TCA, além da aguardada conclusão das obras no MAM-Museu de Arte Moderna da Bahia (no Solar do Unhão).  O cenário esboçado pelo maestro Carlos Prazeres, todavia, ainda é o de que “a Osba hoje corre o risco de ter as apresentações inviabilizadas; de virar uma camerata [conjunto musical composto por poucos instrumentistas]. Dispomos de apenas 53 músicos, dos quais 10 são contratados através do Reda e já tendo que ser revalidados, pois completaram os dois anos. O mínimo é que dispusesse de 80 integrantes e o ideal, 100”.

Ele demonstra que “atualmente, a estrutura da sinfônica envolve cinco flautas e quatro primeiros violinos, quando o normal, para poder tocar com cinco flautas, seria dispor de 12 a 14 violinos”. Isso significa, esclarece, que “não podemos tocar inúmeras peças. Os repertórios romântico e moderno que se toca com cinco flautas jamais pode ser feito com apenas quatro violinos”. A Sinfônica tem se mantido ativa, principalmente, com as criações de quatro cameratas, integradas por músicos da orquestra e com apresentações em diversos locais da cidade e no interior do estado até duas vezes ao mês.

Osba – Orquestra Sinfônica da Bahia (fonte: Adenor Gondim/Divulgação)

 

Músicos recorrem à criatividade

Para superar esse período, a orquestra tem recorrido à criatividade. Em outubro de 2015, quando viu a necessidade de dar visibilidade à condição da Sinfônica, adotaram fantasias de super-heróis quando da apresentação do Cine Concerto, em que tocaram temas de diversos filmes de sucesso. A última apresentação com estrutura completa da Sinfônica aconteceu em dezembro passado no “Natal para as Mulheres”. Antes, enfatizou, “tocamos na Praça das Mãos (na área do Taboão) para as pessoas em situação de rua, com uma tenda improvisada como palco e distribuímos plásticos para as pessoas não sentarem diretamente no chão”. Ou seja, defende o regente, “a orquestra tem saído do pedestal, dos espaços internos dos teatros, para ir aonde o povo está”.

Ele revelou as perspectivas que tem para o segundo semestre, “com projetos criativos mesmo com o corpo artístico deficitário”. Disse estar sendo preparada uma “peça-concerto” sobre “Gregório de Matos e a musicalidade barroca”, com participação do diretor teatral Gil Vicente Tavares e adiantou que vem mantendo conversas sobre o interesse em retomar o Sarau da Osba, com o diretor do MAM, Zivé Giudice, e que “envolve poesia, dança, teatro, literatura e a música clássica”. Acenou, também, com a “possibilidade de promover uma “feira expositiva” para crianças no Palacete das Artes (na Graça), já esboçada para o diretor Murilo Ribeiro, na qual seria “estimulada a interação delas com os instrumentos, inclusive com apoio de psicólogos, até desembocar em um concerto destinado ao público infanto-juvenil”.

Carlos Prazeres aludiu, além do mais, ao “estudo de projeto especial para uma ocupação do MAB-Museu de Arte da Bahia” (no Corredor da Vitória), também em conjunto com o diretor Pedro Archanjo, assegurando que “quando entramos em um espaço buscamos dialogar potencializando a capacidade daquele universo”.  Com a publicização ele planeja a interiorização. Prazeres disse querer formar plateias nas cidades da Bahia para a música erudita, inclusive tocando compositores da escola baiana como Lindemberg Cardoso, Walter Smetak, Ernst Widmer (já falecidos) e outros como Paulo Costa Lima, Alexandre Espinheira, Natan Albuquerque. “O desejo é proporcionar essas audições para as novas gerações e provar que a Bahia é uma grande reunião de culturas e de formas de expressão”.

A Osba já teve a regência de conceituados maestros, como Isaac Karabtchevsky, Jacques Morelenbaum, Osvaldo Colarusso, Alex Klein, Olivier Cuendel. Conta com apresentações ao lado dos balés Kirov, Bolshoi e da Cidade de Nova Iorque e já se apresentaram com a orquestra o tenor lírico Luciano Pavarotti, a soprano lírica Montserrat Caballé e a mezzo soprano dramática Milla Edelman, além da brasileira Gal Costa, entre outros.

Publicado originalmente no Blog do Albenísio.

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