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Neste vídeo, falamos um pouquinho da história do cantor e compositor capixaba Sérgio Sampaio, ou melhor, o mais maldito dos malditos da MPB.
por Fernando do Valle
Maldito nada, o músico Sérgio Sampaio foi artista injustiçado pela indústria cultural que não tolerou a força de sua criatividade entre suas “manadas de [artistas] normais”, como disse o magrelo na canção Roda Morta. Capixaba de Cachoeiro de Itapemirim como o cronista Rubem Braga e Roberto Carlos, Sérgio Sampaio foi letrista único em mescla de dramaticidade e ironia.
Mais conhecido por “Eu quero é botar meu bloco na rua”, grito contracultural de oposição à ditadura militar em que cantou o desejo de “brincar, gingar e botar pra gemer”, o músico irascível sempre circulou à margem das patotas da MPB. “Bloco na rua” estourou em 1972 no 7º FIC (Festival Internacional da Canção), mas não ficou entre as vencedoras, quem levou a melhor foi “Fio Maravilha”, de Jorge Ben, defendida por Maria Alcina. O compacto com a música no lado B vendeu muito, ultrapassando a marca de 500 mil cópias, o lado A tocava “Diálogo” (Baden Powell e Paulo César Pinheiro), interpretada por Tobias e Márcia.
A canção de Sampaio embalou o carnaval de 1973, ano do lançamento do LP batizado com o mesmo nome e produzido por Raul Seixas. O disco ainda contou com a participação de músicos que formariam mais tarde a banda Azymuth além do lendário Wilson das Neves. O idiossincrático Sampaio inseriu a faixa-título como a penúltima faixa do lado B.
Sérgio Sampaio nasceu em 13 de abril de 1947 em Cachoeiro do Itapemirim e morreu em 15 de maio de 1994 na cidade do Rio de Janeiro com apenas 47 anos.
“Eu quero é botar meu bloco na rua”:
Sérgio Sampaio conheceu Raulzito quando acompanhou o músico Odibar em teste na gravadora CBS. Na ocasião, Sampaio mostrou duas músicas para Raul que adorou e ambos tornaram-se amigos e parceiros. Contratado pela CBS no início de 1971, Sampaio fez parte do coro de gravações de Renato e seus Blues Caps e de outros artistas da CBS. Sob o pseudônimo de Sérgio Augusto, assinou a letra de “Sol 40 graus” , uma melodia do produtor e arranjador Ian Guest (que assinava como Átila), sucesso de 1971 do Trio Ternura.
Mas o encontro foi a faísca mesmo para o discaço “A Sociedade da grã-ordem kavernista apresenta sessão das 10” que além de Sampaio e Raul Seixas contou com o músico baiano Edy Star e Miriam Batucada.
Saiba mais sobre “A Sociedade da grã-ordem kavernista apresenta sessão das 10”.
Três anos mais tarde, em 1976, Sampaio gravou o disco Tem que acontecer pela gravadora Continental. As baixas vendagens de O Bloco na Rua e Tem que acontecer jogaram o músico em certo ostracismo, mesmo contando com pequeno e fiel séquito de seguidores. Sampaio se descreveu na música Velho Bandido, do disco de 1976: “só tenho essa cabeça grande, penso pouco, falo muito e sigo adiante” e adiante às próprias custas e com o apoio de sua mulher Angela Breitschaft, mãe de seu único filho João, lançou o álbum Sinceramente em 1982. Sem divulgação, o disco vendeu à época pouco de suas 4 mil cópias.
Em 2001, o disco foi relançado graças ao músico maranhense Zeca Baleiro, fã de Sampaio. Em 2006, foi também Baleiro que organizou o disco Cruel que o músico capixaba deixou incompleto devido à pancreatite que o matou em 1994.
Velho bandido, gravado em 1991:
“Eu não sou músico. Musico é Hermeto [Pascoal], é Egberto [Gismonti]. Músico eu não sou. Faço meus acordes, pego o violão. Toco no violão como quem toca no corpo de uma mulher sem saber as zonas erógenas. Vai tocando por instinto… Assim é a minha relação com o instrumento. Sou um poeta, mas a poesia se manifesta em mim através da letra de música. Não seria um poeta como Vinícius, como Drummond, como Fernando Pessoa, por exemplo. Talvez não fosse capaz de sentar e escrever um livro de poesia e, mesmo que escrevesse, não iria sair lá grande coisa. Penso que a poesia se manifesta por mim através da letra de música, porque música é uma coisa muito forte em mim e, geralmente, quando faço as músicas, sai tudo junto, letra e música. E é uma coisa bastante agradável, tesuda, extasiante mesmo de fazer. Eu me coloco a nu nas coisas que faço. Muito verdadeiramente, muito” (trecho de depoimento de Sérgio Sampaio ao ainda iniciante Zeca Baleiro, extraído do site VivaSampaio , idealizado por João Sampaio Breitschaft, filho de Sérgio).
Sérgio não foi o primeiro dos Sampaios a se apaixonar pela música, seu pai, Raul Gonçalves Sampaio, foi regente de bandas de músicas na cidade de Cachoeiro, o ganha pão era outro: a fabricação de tamancos. Sérgio gravou uma composição de seu pai, “Cala a boca, Zebedeu” no disco “Bloco na Rua”. O tio de Sérgio, Raul Sampaio Cocco, foi integrante do Trio de Ouro e autor de sucessos como ‘Quem eu quero não me quer’ e ‘Meu pequeno Cachoeiro’, gravada por Roberto Carlos.
Na sapataria do pai, o adolescente Sérgio trabalhava ao som de Orlando Silva, Nelson Gonçalves e Sílvio Caldas no rádio. Aos 16 anos, foi aprovado em um teste para locutor da ZYL-9 – Rádio Cachoeiro, onde aprimorou sua cultura musical.
Aos 20 anos, Sérgio partiu para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como locutor nas rádios Rio de Janeiro, Mauá, Carioca e Continental durante o dia e cantor de bar à noite. A partir de fevereiro de 1970, abandonou o trabalho nas rádios com a intenção de viver exclusivamente de música e como a carreira demorou a engrenar, Sampaio chegou a dormir em bancos de praças ou de favor em casa de amigos.
“A minha relação com a música é uma relação de muito amor. Não tenho uma relação com a música puramente profissional no sentido de dinheiro, não! Ganho dinheiro com a música poque preciso sobreviver e é minha profissão. Mas a minha relação com a música é mesmo de amor” (Sérgio Sampaio, extraído do site VivaSampaio).
“Que Loucura”, uma das canções que mais retratam a alma de Sérgio Sampaio foi escrita para seu amigo Torquato Neto, o poeta piauiense figura-chave no movimento Tropicalista e que suicidou-se com apenas 28 anos. Torquato lutou contra o alcoolismo por alguns anos e passou um tempo no hospício do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro.
A letra descreve com humor a internação de Torquato: “Fui internado ontem/Na cabine 103/ Do Hospital do Engenho de Dentro/Só comigo tinham dez/Eu tô doente do peito/ Eu tô doente do coração/ A minha cama já virou leito/Disseram que eu perdi a razão/ Eu tô maluco da ideia/Guiando carro na contramão/ Saí do palco e fui pra plateia/ Saí da sala e fui para o porão”.
Que loucura:
Em 1998, show homenageou Sérgio Sampaio no Teatro Rival do Rio de Janeiro, desse espetáculo saiu o disco Balaio do Sampaio em que músicos interpretam Sampaio, segue a lista: Tem que acontecer (Zeca Baleiro), Meu pobre blues (Zizi Possi), Que loucura (Renato Piau), Cala a boca, Zebedeu (Luiz Melodia), Pavio do destino (Lenine), Até outro dia (João Nogueira), Rosa púrpura de Cubatão (João Bosco), Velho bandido (Jards Macalé), Feminino coração de Deus (Erasmo Carlos), Eu quero é botar meu bloco na rua (Elba Ramalho), Velho bode (Eduardo Dusek), Em nome de Deus (Chico César).
Infelizmente, o abuso de drogas e álcool encurtou a vida de Sérgio Sampaio que morreu com apenas 47 anos. Que o tempo faça justiça ao talento de Sampaio, que sem dúvida foi um dos mais importantes compositores de sua geração.
Documentário Um Sampaio teimoso dirigido por Nayara Tognere:
Quatro paredes:
Filme de terror:
Roda morta:
Cada lugar na sua coisa:
Disco Cruel:
Balaio do Sampaio:
Meu pobre blues, música em que Sérgio Sampaio cita seu conterrâneo Roberto Carlos:
Fonte usada: site Vivasampaio.
http://www.zonacurva.com.br/o-esquecido-disco-a-sociedade-da-gra-ordem-kavernista-apresenta-sessao-das-dez/