Depois de publicar dois livros (“Lavoura Arcaica” e “Um Copo de Cólera”) na segunda metade dos anos 70, com direito a prêmio Jabuti e boas críticas, o escritor Raduan Nassar abandonou o palco e a seleta plateia de três mil leitores e foi cuidar de uma fazenda de 640 hectares na pequena Buri, 250 quilômetros ao sul de São Paulo. A plateia de três milhares é como se refere o também escritor Marçal Aquino ao público que compra os livros de escritores brazucas.
Em bela reportagem da revista Piauí deste mês, a história do ‘ex-escritor’ e fazendeiro de 76 anos é contada pelo jornalista Rafael Cariello sem a sua participação, arredio às entrevistas como seus colegas de ofício Rubem Fonseca e Dalton Trevisan. A matéria conta como Raduan enfurnou-se no campo há cerca de 30 anos sem mais escrever (ele lançou em 1997 uma coletânea de contos, “Menina a caminho”, com textos escritos nos anos 60 e um conto esparso).
Raduan ainda doou a fazenda de sua propriedade para a Universidade Federal de São Carlos, vendeu uma parte dela a preços subsidiados aos agricultores locais e presenteou lotes a funcionários e ex-funcionários da fazenda. O isolamento e desprendimento de Raduan surpreende ainda mais no momento em que muitos escritores assumem sua persona pública e cada vez mais ocupam espaço na aldeia midiática.
A positiva proliferação de eventos, feiras e oficinas literárias têm transformado alguns escribas em oráculos e produtores de aforismos e frases de efeito. O isolamento da escrita agora é quebrado com uma atitude de ‘colocar a cara para bater’, com o escritor fazendo bico como palestrante, ator ou showman.
Como existe demanda de parte do público por charme intelectual fast food, já não me espantaria de ver escritores ‘de literatura’ em sessões de treinamento corporativo. Sugestões não faltam: Kafka praticando coaching para funcionários públicos, Rubem Fonseca oferece dicas para a Polícia Federal ou Bukowski como consultor na indústria de bebidas.
O escritor norte-americano de origem russa, Gary Shteyngart, presente na última edição da Flip, ironiza os vídeos de divulgação literária com a participação de amigos e de seus alunos de oficina de escrita criativa (veja em http://tinyurl.com/cqsqz9a) no lançamento de seu último livro. Segundo ele, muitas pessoas pararam de ler livros, mas todo mundo gosta de ver pequenos vídeos no YouTube. “Percebi que, se quisesse vender algum livro, tinha que fazer isso”.
Como a dedicação exclusiva à literatura raramente sustenta alguém no Brasil, o escritor sempre se viu obrigado a batalhar o pão de cada dia em outras searas. As mais comuns são o magistério, o jornalismo e a publicidade. No texto Bloqueios e desbloqueios (http://tinyurl.com/88maz4r), o escritor Michel Laub investiga essa relação. “Um publicitário acostumado a agradar e/ou mentir para vender um produto ou comportamento só poderá ser bom escritor se entender que literatura é o contrário disso. É o velho paradoxo: a ficção mente para dizer a verdade, enquanto o jornalismo, por exemplo, muitas vezes diz uma suposta verdade para no fundo mentir”.
Em entrevista à Folha de São Paulo do dia 19 de julho, o escritor português Lobo Antunes, ao ser questionado se o fato de ter sido médico influenciou sua literatura, respondeu: “se tivesse sido engenheiro ou outra coisa teria sido igual”.
Retirar do escritor a aura mistificadora do ser ilhado e atormentado em busca da inspiração redentora aproxima-o do público. A literatura sobrevive e sobreviverá sempre. E a boa literatura se eterniza. Claro que a falta de leitores preocupa e as centenas de lançamentos desorienta o leitor comum mas os blogs, a facilidade de publicar e a proliferação de aspirantes a escritor indicam um futuro promissor.