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A quem serve o Judiciário brasileiro?

por Guilherme Scalzilli

Uma ação contra o deputado estadual Barros Munhoz (PSDB) prescreveu em abril, depois de três anos inativa no Tribunal de Justiça. Mesmo destino devem ter os processos do “mensalão tucano”, remetidos pelo Supremo Tribunal Federal à Justiça mineira. A peça contra Eduardo Azeredo, por exemplo, ainda aguarda distribuição.

Graças a decisões do STF, o inquérito dos cartéis metroviários paulistas isentou políticos do PSDB, mesmo os citados em depoimentos dos réus. O Ministério Público de Minas Gerais pediu o arquivamento da investigação sobre o aeroporto que o governo de Aécio Neves construiu nas terras de sua família.

Ignorando as evidências de que os esquemas da Petrobrás começaram antes, a Operação Lava Jato investigou a estatal apenas a partir de 2003. Deixou de lado, assim, um contrato fraudulento, assinado no governo FHC e denunciado pela Comissão de Valores Mobiliários, que movimentou cerca de R$ 56 milhões.

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Os episódios acima têm três características chocantes: a ausência de punições a políticos do PSDB, a simultaneidade dessa lacuna com o rigor aplicado contra petistas e as semelhanças (quando não os elos operacionais) entre processos que tomaram rumos tão diferentes.

É cômodo minimizar tais fatos atacando a frágil hipótese conspiratória usada por setores da esquerda para defini-los. Também soa ingênuo ver neles uma simples disputa entre “linhas-duras” e “garantistas”, como se fosse probabilisticamente aceitável que a cada facção sempre coubesse julgar o mesmo flanco partidário.

Não podemos, obviamente, arriscar generalizações em torno de um universo amplo e heterogêneo como o Poder Judiciário. Mas as estatísticas são eloquentes demais. Existem modelos de absolvição (para uns) e punição (para outros) no tratamento judicial a políticos, ainda que suas motivações tenham origens variadas e desconexas.

Esses padrões se reproduzem, com tendências semelhantes, pelos demais campos de interesses oposicionistas. A blindagem a tucanos espelha o respaldo das cortes à mídia que os apóia, nos processos por calúnia, difamação e crimes eleitorais. Os veículos de comunicação retribuem legitimando o partidarismo dos magistrados que materializam a caçada moral contra seus inimigos comuns.

Um sintoma da coesão ideológica da teia de favores é o radicalismo antipetista que ela assume em público. O desempenho performático de certos magistrados e procuradores possui teatralidade conclamativa típica de palanques eleitorais, com discursos messiânicos semelhantes aos repetidos pelo colunismo sectário de direita.

A retórica salvacionista ajuda a naturalizar a imagem positiva da injustiça. Quem critica o viés tendencioso das investidas judiciais contra o PT costuma ser acusado de propor uma inversão dessa parcialidade. Em outras palavras, que os petistas recebam o beneplácito dado a seus opositores. Afinal, a punição de criminosos é necessária independentemente de “contrapartidas” de isonomia.

Há um vício grave nesse raciocínio, que resulta na equiparação entre repudiar a impunidade de alguns e defendê-la para todos. Mas seu grande problema é conferir a qualquer justiciamento uma essência positiva, como se conduzisse necessariamente a avanços institucionais e civilizatórios.

A necessidade da equivalência encontra-se tanto nas bases formais da Justiça quanto nos seus “princípios substanciais”. Como o estado de Direito, por definição, se apoia no pressuposto da chamada reciprocidade moral, o tratamento díspar a cidadãos diferenciados pelo perfil partidário afronta a legalidade vigente. Viola, portanto, os tais preceitos republicanos.

A prática também contraria a natureza saneadora das punições. Poupados pelas cortes e pela imprensa, os criminosos perpetuam-se nos cargos administrativos. E fortalecem suas artimanhas, já que a certeza da impunidade favorece o agravamento dos delitos. Resultam inócuos os efeitos positivos das sanções aplicadas aos petistas, já que eles serão substituídos, nas mesmas estruturas, por delinquentes protegidos.

Eis a face tenebrosa do combate à corrupção no Brasil: parte relevante do Judiciário fornece guarida para a hegemonia de uma casta delimitada por afinidades ideológicas, levando a retrocessos constitucionais e ao fortalecimento do crime. Com o apoio da mídia corporativa, esse predomínio adquire uma força institucional de alcance tirânico.

Admitindo que o partidarismo judicial não passa de outro vetor entre os demais que influenciam as agendas decisórias, a solução talvez seja quebrar a redoma protetora e confortável que separa as cortes das pressões populares. Se os magistrados assumiram prerrogativas de interferência nos rumos do país, que forneçam contrapartidas equivalentes à sociedade. Que enfrentem, portanto, o ônus de fazer política.

Publicado originalmente no Blog Guilherme Scalzilli.

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