Zona Curva

Procuram-se domésticas

Com casa e filha para cuidar e faxineira apenas uma vez por semana como ajuda, aceitei após dois meses dica de amiga e apelei para agência de serviços domésticos. Encontro com a primeira candidata agendado.

A executiva fez escala na Sephora, calçou salto alto e com vestido de grife chegou acompanhada da senhora negra constrangida com meias-calças grossas de malha e uniforme surrado. A aspirante a socialite começou a falar com o linguajar de vendedora de carro sobre a experiência da candidata de olho na taxa equivalente ao primeiro salário da doméstica.

Parei a prosa e puxei papo com a entrevistada até então calada, tentando ignorar a presença da mercadora de mão de obra. Lembro de seu sorriso sincero quando perguntei sobre crianças e falou sobre seu filho adolescente. Não a contratei, pena, talvez tivesse trabalhando em casa até hoje.

Cena do filme “Domésticas”

A convivência diária com domésticas e babás é de aprendizado constante. Algumas já me ajudaram muito enquanto outras simplesmente, do nada (mesmo!), me deixaram na mão. Os direitos prestes a serem aprovados no Senado são justos e necessários, mas, sem dúvida, ficará mais caro contar com ajuda em casa.

Experientes e novatas empregadas domésticas abandonam a profissão a cada dia, realizam cursos de aprimoramento profissional e migram para o trabalho ‘em empresa’. Muitas fogem do abuso e desrespeito de certas patroas.

“Acho que vou trabalhar em uma firma”

Para aqueles de classe média que evitam conviver a todo custo com a realidade da maioria dos brasileiros, nessa hora não tem como fugir, não se pode recorrer ao insufilm ou ao segurança de terno e walkie-talkie.

Por esses dias, no elevador de serviço, ouvi papo entre duas trabalhadoras sobre a perspectiva da nova lei: “se o patrão for bom, ele vai conversar com a gente!”. A outra não respondeu, acho que o patrão dela não é. De novo no elevador de serviço (mais uma invenção segregacionista brasuca), pirralho de uns 4 anos soca a babá em seu uniforme branco. Ela repete: “se continuar, vai para o cantinho do pensamento”. É duro criar o filho dos outros.

Outros falam de boca cheia que o fim das babás e domésticas reflete o atual desenvolvimento do país e que caminhamos para a realidade de escassez dessa profissional como nos Estados Unidos e Europa. Será que, em vez de empregadas mexicanas e da América Central como nos EUA, teremos, por aqui, babás bolivianas e paraguaias?

Em cenário desesperador para mães e pais de classe média, imagino outra inovação de nossa pujante economia: greve de babás e domésticas. Imaginem três meses de greve, a classe teria nas mãos a maior margem de negociação da história sindical. Talvez só semelhante a de garçons e motoristas de ônibus.

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