por Marceu Vieira
A prisão do ex-senador Eduardo Suplicy pela PM de São Paulo e o fim do protesto Ocupa MinC, no Rio, pela Polícia Federal, deram a este cronista digital, na manhã de ontem, a certeza de que o Brasil vive um tempo comprido de ódio e desesperança. Um tempo que, pelo jeito, deve ainda demorar a acabar.
Suplicy participava de um ato contra a expulsão de gente pobre de um terrenão da prefeitura com 11 mil metros quadrados, na Zona Oeste paulistana.
Prefeitura, por mais estranho que pareça, chefiada por Fernando Haddad, do mesmo PT do ex-senador.
PM, por ainda mais esquisito, comandada pelo governador Geraldo Alckmin, do PSDB, a quem o prefeito petista recorreu.
Pra quem não conhece São Paulo, cabe explicar que a Zona Oeste da cidade é composta pelas subprefeituras da Lapa, de Pinheiros e do Butantã. Segundo o IBGE, vivem ali cerca de 900 mil pessoas, cuja renda média é de R$ 2.174,55. Fica na região o maior campus da USP, por exemplo.
Contradição em forma de metrópole, mais até que o Rio do Ocupa MinC, São Paulo tem dessas coisas. A tal comunidade desocupada com truculência pela PM do tucano Alckmin a pedido do petista Haddad se chama Cidade Educandário e fica às margens da Rodovia Raposo Tavares.
De educandário, aquela porção de Brasil, localizada no bairro Jardim Raposo Tavares, não tem nada – bem como, de jardim, a região nada tem. Na Zona Oeste paulistana, convivem uma massa pobre e desafortunada e uma minoria rica e de vida sobeja.
Suplicy, um homem digno de 75 anos de idade, deitou-se no chão pra tentar conter o furor da expulsão dos sem-nada e acabou carregado por braços e pernas pelos PMs do batalhão do Alckmin. Levado numa viatura pro 75° Distrito Policial, prestou esclarecimentos e foi liberado após três horas de constrangimento.
“Se fazem isso com um ex-senador da República, imagine o que sofre a população”, ele escreveria depois um desabafo numa rede social.
Seu crime, segundo o capitão Eliel Pontirolli, “desobediência e obstrução à Justiça”; seu objetivo, segundo ele próprio, evitar um confronto ainda maior, que ferisse aquela gente.
A duas semanas do início das Olimpíadas, faltou um Suplicy no Rio, na mesma manhã, no desbaratamento do Ocupa MinC pela Polícia Federal de Michel Temer. Talvez ele conseguisse muito pouco também. Provavelmente, nada. Mas o simbolismo da sua presença e de um gesto dele, certamente, acrescentaria algo bom ao que se passou.
Uma das manifestações mais bonitas da democracia desde o fim da ditadura militar – uma outra, eu acho, foi a tomada das escolas da rede pública pelos estudantes, e ambas tão mal contadas pela imprensa dominante -, o Ocupa MinC reuniu jovens e artistas por 70 dias nos pilotis do Palácio Gustavo Capanema, no centro carioca.
Nesse período se apresentaram ali, ou apenas discursaram, estrelas da cultura brasileira como Caetano Veloso, Erasmo Carlos, Lenine, Frejat, Arnaldo Antunes, Jards Macalé, Marieta Severo, tantos outros.
A ocupação nasceu de um protesto contra o fim do Ministério da Cultura. Depois, quando o presidente interino, pressionado, recuou da decisão, virou um grande evento permanente pelo “Fora Temer” e pela volta da Dilma.
A esta altura do campeonato nacional do ódio e da desesperança, como também foi impossível conter a expulsão dos pobres da Zona Oeste paulistana, é muito difícil acreditar na possibilidade de uma coisa ou de outra.
Faltam Suplicys pra isso. Seriam necessários muitos mais.
Publicado originalmente no Blog do Marceu Vieira.