Toyota, Mercedes, Mitsubishi, Citroen. Um breve passeio pelo estacionamento da Escola Politécnica da USP nos faz sentir em uma concessionária multimarcas da avenida Cidade Jardim. Bom para esses estudantes com saldo bancário que os possibilita circular com carros de ponta, pior para nós que pagamos a conta de faculdades caras com nossos impostos para quem não precisa. Distorção antiga e revoltante do precário sistema educacional brasileiro.
O novo projeto de lei aprovado pelo Congresso que reserva 50% das vagas nas faculdades federais para egressos das escolas públicas traz à baila novamente a discussão sobre cotas. A presidenta Dilma tem até quarta (dia 29 de agosto) para vetar ou aprovar o projeto. Os carrões da Poli continuarão por lá, o projeto não mexe nas regras de instituições estaduais como a USP. (nota de 19 de novembro/2013: Dilma aprovou a lei,leia)
As discussões sobre cotas geram muita paixão e suscitam polêmicas sobre merecimento, trabalho duro e privilégios. Os estudantes das classes média-alta e alta que despenderam milhares de reais em mensalidades de bons colégios e estudaram muito não podem ser preteridos nas faculdades públicas devido às falhas do ensino público.
Ao mesmo tempo, não é justo que o dedicado aluno de escola pública que ingressa na universidade pelo sistema de cotas seja visto como um despreparado com regalias. Alguns contrários às cotas chegam ao absurdo de afirmar que esse estudante pioraria o nível de excelência de algumas federais.
Muito se diz que as cotas sofrem de miopia pois não enxergam a necessidade de mudanças no ensino público do país. Segundo esse raciocínio, com a melhora da educação gratuita, ricos e pobres estudariam lado a lado e os mais aptos entrariam nas melhores faculdades. Sabemos que estamos muito distantes desse cenário, por isso, a adoção no momento de criteriosas ações afirmativas, sociais e/ou raciais, pode viabilizar certa democratização no acesso às universidades.
A luta pelo ensino público de qualidade e as cotas podem caminhar de mãos dadas. A esperança por melhores dias nas salas de aula pode vir de simples iniciativas como a fanpage Diário de Classe, criada por Isadora Faber, a estudante de apenas 13 anos narra os problemas que enfrenta em sua escola pública em Santa Catarina e já conta com cerca de 11 mil ‘curtidores’ (http://tinyurl.com/95ah35o). (nota de 19 de novembro: a página conta com incríveis 628 mil fãs)
Iniciativas como o ProUni e ENEM devem ser aprimoradas e podem ser usadas em conjunto com o sistema de cotas. A busca pelo fim das injustiças nos mecanismos de acesso e no funcionamento do ensino superior exige esforço de várias esferas de poder.
Enquanto estudantes das classes menos privilegiadas enfrentam faculdades noturnas de baixa qualidade após o dia de trabalho, formados em cursos públicos de excelência como engenharia, economia, administração e outros vão trabalhar em bancos, consultorias privadas e multinacionais, somente alguns são absorvidos pelo funcionalismo público. O dinheiro público banca a formação de mão-de-obra qualificada para a iniciativa privada, que raramente apoia a universidade com patrocínios e verbas.
A universalização de um ensino superior humanista e de qualidade faz parte do anseio de uma sociedade mais igualitária e é uma das prerrogativas para o Brasil enfrentar os muitos desafios que o esperam no futuro.