por Guilherme Scalzilli
Dá para imaginar o escândalo que haveria se o juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato fizessem cursos e reuniões na Rússia ou na Venezuela antes de arrasarem a Petrobras. Gigantes petrolíferos ajudando a destruir a concorrência brasileira? Então. Com os EUA é “cooperação internacional”.
Espionagem? Conspiração? Depende da maneira como definimos tais atividades. Ou melhor, do grau de credulidade que abraçamos para embalar nossa ilusão de autonomia e segurança. Quase toda ação escusa tem uma fachada legítima que satisfaz os ingênuos.
Claro, soa insensato embaralhar os verdadeiros deslizes éticos de Moro com suspeitas afins. No imaginário diplomático, ele seria um péssimo candidato à cooptação. Além de excessivamente visado, nutre visão messiânica e idealista do seu papel. E tem motivações ideológicas já alinhadas à agenda estadunidense.
Ao mesmo tempo, é muita ingenuidade ignorar os elos geopolíticos da desmoralização de algumas das maiores empresas do país, com negócios planetários em áreas estratégicas para as potências financeiras. E é simplesmente estúpido achar que desmontes desse tipo são fenômenos gratuitos no inescrupuloso universo do empresariado transnacional.
Podemos até acreditar que a Lava Jato serve “apenas” como instrumento manipulado por interesses poderosos, em troca do seu próprio sucesso no âmbito doméstico. O problema está no pacote de versões oficiais, bem menos convincentes, que dão suporte à hipotética inocência dos nossos berlusconis.
Por exemplo, a tese de que o profissionalismo, a força material e o respaldo midiático do movimento pelo impeachment nasceram de ações espontâneas e desarticuladas, embora seus líderes tenham ligações com obscuras companhias norte-americanas. Também a de que o cargo de ministro das Relações Exteriores de José Serra não tem nada a ver com seu projeto que abre o pré-sal à exploração estrangeira. Ou com os policiais federais que vazaram os sigilos da Lava Jato.
Será que as teorias conspiratórias nascem da quantidade de coincidências estranhas em torno do mesmo fenômeno, ou do desprezo geral por esses sinais? Precisaríamos mesmo de documentos governamentais para saber que os EUA participaram do golpe militar de 1964? Sem o Wikileaks ninguém imaginaria que a Casa Branca espiona mensagens eletrônicas de governos, empresas e cidadãos?
A lista dessas “descobertas” tardias ocuparia compêndios. As nódoas comuns a todos os seus episódios são a covardia da imprensa dita investigativa e o descrédito público dos paranoicos que levantaram as perguntas que ninguém ousava formular