por Fernando do Valle
O general com sobrenome de tronco de amarrar gado fala todo pimpão na televisão sobre “os novos tempos” em entrevista ao jornalista barbudo brother de ditador que era mais chegado aos equinos do que aos bípedes.
Desligo e digito minha senha no faceburka e me deparo com notificação sobre a censura de meu post com a entrevista de uma transexual. Revoltado, entro no twitter e ex-jogadora de vôlei e dublê de comentarista política, que vive entre os ianques adoradores de presidente ex-apresentador de reality show, arrota regras de comportamento em coro ao ator pornô ungido pelas massas de reacionários como líder da moral e bons costumes. A histeria os une na crença do resgate das criancinhas da perdição das mãos sujas de artistas, esquerdopatas, maconheiros, nudistas e vagabundos.
Entro no elevador e meu vizinho que chama o filho de “um fracote que só faz mimimi e parece uma bichinha” (a parede e a música não são suficientes para me poupar de ouvir os xingamentos) me conta orgulhoso que vai ao museu lutar contra a pedofilia, não consigo falar, minha cabeça começa a doer e girar, olho para o painel do elevador e me desespero, ainda faltam 20 andares para o térreo. É a primeira vez que meu vizinho se dirige a um museu, mas a manifestação não passará da porta.
O telefone toca e minha avó me avisa para não sair na rua que está invadida por “bandidos”. “Vó, o que você está falando?” Ela sempre repete o que assiste no programa televisivo do final da tarde de um gorducho sempre de terno que vocifera contra o “absurdo” em que vivemos com baba escorrendo pelo canto da boca. Ex-católica fervorosa, agora minha vovó deposita todo mês 10% de sua aposentadoria na conta do pastor do bairro, “um homem bom sem maldade no coração”, segundo ela.
Resolvo levar minha filha ao parquinho da praça perto de casa e lá encontro uma turba de pais com calças camufladas do exército conversando sobre novos modelos de carros. Uns três mais próximos, que empurram as filhas no balanço, falam sobre política, um de cabelo curto e camiseta com um logo enorme de marca americana com etiqueta Made in China fala em quase grito: “a ditadura matou foi pouco, tinha que matar de novo esse bando de verme”. Mando ele se foder na hora. Ele me xinga também e eu dou um murro no nariz dele que começa a sangrar e suja o logo. Outros começam a me dar porrada, reajo e tudo vira um rebosteio. Minha filha sentada na cadeira do balanço chora, coloco ela em meu colo e saímos correndo. Sinto calafrios por todo o corpo, uma raiva imensa. Acordo todo suado e vou passar um café, ufa, que pesadelo.