por Carlos Fico
Adhemar de Barros, político paulista tido como corrupto, gostava do lema “Para frente e para o alto!”, que ele supunha expressar decisão e energia, além de indicar posição política de centro, “nem esquerda nem direita”.
Ele concorreu à Presidência da República duas vezes, em 1955 e 1960, tendo sido derrotado em ambas, ficando nas duas em terceiro lugar. Na eleição de 1960 propunha uma espécie de racionalidade econômica e empresarial com seu slogan “Será o gerente do Brasil”. Outro lema de campanha dizia “Adhemar realiza”, eco da frase “rouba, mas faz” – que o tornara nacionalmente conhecido. Adhemar, como governador de São Paulo, apoiaria o golpe de 1964, pois tinha esperança de concorrer às eleições presidenciais de 1965, mas o primeiro marechal-presidente do regime militar cassou-lhe o mandato devido ao seu perfil populista e a sua fama de corrupto.
Seria possível fazer muitas analogias entre a atual conjuntura política do Brasil e a imagem de político corrupto mas empreendedor de Adhemar. Entretanto, o que me veio à mente foi sua fulminante trajetória de fracasso, em contraste com o arrogante slogan “Para a frente e para o alto!”.
Michel Temer não é Adhemar, mas o vice-presidente no exercício da presidência, além de expressar a arrogância dos que pretendem resolver os problemas dizendo “Agora vai!”- é habilidoso em escolher os melhores ingredientes para uma boa receita de fracasso.
Não me refiro às muitas trapalhadas do início de seu governo, com as idas e vindas no número de pastas ministeriais; os convites públicos a pessoas que recusavam ministérios; a ausência de mulheres, negros e quadros renovados no primeiro escalão; a escolha do lema positivista para slogan do governo; a linguagem empolada e passadista em época de comunicação fluida; a extinção e recriação de ministério; a promessa não cumprida de formar equipe apenas com “notáveis” e por aí afora. Tudo isso culminou com a esperada mas sempre reveladora constatação de que auxiliar muito próximo considerava o impeachment de Dilma Rousseff uma forma de abrandar a Operação Lava Jato.
O mais surpreendente é a disposição de Temer para implementar medidas que buscam não apenas equilibrar o orçamento por meio de ajuste fiscal, mas também que configuram políticas de governo derrotadas na última eleição presidencial e que minaram a popularidade de Dilma Rousseff quando a presidente afastada praticou uma espécie de “estelionato eleitoral” tentando efetivar o que não prometera na campanha. O governo Temer está propondo reformas muito amplas, que ficarão claras para a população nas próximas semanas.
Parece a muitos analistas que esse interregno seria uma boa oportunidade para aprovar medidas amargas e impopulares: são as “reformas de que o Brasil tanto necessita”, para usar o mantra que se tornou lugar-comum de muitos comentaristas.
Não se discute a necessidade de o Brasil promover reformas que reconfigurem seus sistemas previdenciário ou tributário – sem falar no político. Isso, entretanto, deve ser feito a partir de diagnóstico corajosamente exposto ao escrutínio dos cidadãos brasileiros, por candidatos que tenham propostas que os convençam e engajem. Tais reformas não podem ser enfiadas goela abaixo da sociedade como se fossem consenso técnico de especialistas neutros que, aproveitando esse momento de suspensão ou latência da normalidade política, as aprovariam como medida de salvação nacional. Essa perspectiva, em uma palavra, é autoritária.
Ademais, é fadada ao fracasso. Só um governo fortalecido – venha essa força de onde vier, temos infelizmente de admitir – seria capaz de implementar reformas estruturais. Parece evidente que o atual governo não tem essa fortaleza.