por Fernando do Valle
Paris, 2013 – Com andar trôpego, o deputado e sua mulher de olhar esbugalhado entram no restaurante já frequentado pela aristocracia francesa. Acomodados à mesa recebem a carta de vinhos e ela pede ao garçom vinho conhecido de boa safra. Ele fala ao celular com a mão esquerda próxima à boca, a mulher pede ao marido que desligue o aparelho “pelo menos agora”. O deputado nunca larga seu celular. Orgulhoso de suas conquistas, costuma sussurrar entre lençóis de linho em hotéis de até 7 estrelas nessas rotineiras viagens que “muitos invejam onde cheguei, tenho culpa se sou um homem de negócios bem-sucedido” e lembra do início da carreira como presidente da Telerj, da CEHAB e como tesoureiro carioca da campanha de Collor à presidência. Para lidar com tais negócios, se ele vacilar, a fila de concorrentes à vaga é longa. Uma mão maneja o cartão de crédito que paga a conta de 9 mil reais, na outra ainda o celular. Após observar a pompa dos convivas do restaurante, sua mulher retoca o rímel em um pequeno espelho retirado da bolsa de grife.
Outro dia, tarde da noite, ao ouvir lenga-lenga de certa vossa excelência de Santa Catarina, evangélico como ele, sentiu saudades do restaurante parisiense, certa discrição é necessária desde que abriu processo de impedimento da presidenta em dezembro último depois que parlamentares do partido da mandatária votaram contra seus interesses no Conselho de Ética. Se 342 deputados seguirem o deputado, ele confia que pode reconquistar certa tranquilidade depois da rotina atribulada dos últimos meses.
Miami, 2012 – Giorgio Armani é a loja preferida da mulher de olhos sempre abertos. Na volta das compras, o deputado, que prefere Ermenegildo Zegna, fez troça: “neste mês, já gastamos um apartamento com tantas compras, vá com calma”. O deputado adora saborear um caranguejo em Miami no Joes Stone Crab com sua filha que presta consultoria de marketing para colegas deputados do pai, para isso, a filha cursou MBA em universidade espanhola. Lista ecumênica de empreiteiro com dezenas de milhões em doações/propinas apelidou o deputado de caranguejo, seria pelas preferências culinárias do deputado ou por suas múltiplas habilidades para gerir negócios em várias frentes, não se sabe.
Brasília, 2016 – O celular sempre indica um empresário, doleiro ou colega de plenário na fila de espera das chamadas, o deputado está com a orelha vermelha após horas do telefone no ouvido, ele tem receio do viva-voz, afinal não se pode confiar em ninguém em Brasília, ele repete. Risadas estridentes dos dois lados da linha na última ligação, “você trucou com 9, 9 pedidos, não há nada a temer”, fala do outro lado milionário com 3 offshores, o Panamá é logo ali (atenção: este grampo é fictício, nenhum juiz autorizou a quebra de sigilo telefônico do deputado).
Na semana passada, ele fez um alerta aos outros deputados que haverá “suspeição e dúvidas sobre o caráter” dos que não comparecerem na votação que poderá iniciar a queda da presidenta da República. No próximo domingo, para provar que tem caráter, o deputado estará em sua cadeira de presidente na Câmara dos Deputados, que ocupa desde fevereiro do ano passado, eleito com 267 votos.