Segundo o economista Ladislau Dowbor, é fundamental demonstrar como pessoas vêm sendo espoliadas pelo sistema financeiro. “Nunca tivemos uma aula sobre dinheiro”.
da Fundação Friedrich Ebert para Agência Carta Maior
Em mais um encontro da série Conjuntura Econômica do Brasil, a Fundação Friedrich Ebert, o Brasil Debate e a Plataforma de Política Social promoveram um debate, na última quarta-feira (2.12), com a presença dos economistas Ladislau Dowbor (PUC-SP) e Fernando Nogueira da Costa (Unicamp). Em discussão, o processo de financeirização da economia brasileira e as ideias centrais do artigo de Dowbor, “Resgatando o potencial financeiro do Brasil”.
Publicado pela Fundação Friedrich Ebert, o estudo aponta as distorções do sistema financeiro e demonstra como os abusivos juros bancários, juros dos cartões de crédito e do cheque especial, crediários e alta taxa Selic vêm travando a demanda das famílias, a expansão da atividade empresarial e a capacidade de investimento do Estado em infraestrutura e políticas sociais.
A partir de dados, de várias fontes oficiais, Dowbor iniciou sua apresentação explicando como a demanda das famílias vem sendo travada pela intermediação financeira. “Hoje, 46,5% da renda familiar, quase a metade, está comprometida com o pagamento de dívidas; em 2005, o índice era de 19,3%. Como é possível dinamizar a demanda desta forma?”, questionou.
Considerando a média ao ano dos juros cobrados sobre a pessoa física, Dowbor explicitou as causas do alto endividamento: “em média, ao ano, são cobrados juros bancários na ordem de 103% para a pessoa física; crediários a 72,33% que dobram o preço do produto e reduzem a capacidade de compra do consumidor; juros exorbitantes na faixa, em média, de 238,67% nos cartões de crédito e a 159,7% no cheque especial”.
O vale tudo do sistema financeiro
Os juros abusivos também estão travando a expansão das atividades empresarias no país. Dowbor demonstrou que longe dos índices praticados para a pessoa jurídica na zona do euro – a 2,20% ao ano -, a taxa média cobrada no Brasil chega a 50,06% ao ano: 24,16% para capital de giro e 34,80% para desconto de duplicatas. “Tocar uma empresa nessas condições não é viável”, avaliou, destacando que diante de juros altíssimos e da queda da demanda, o empresário prefere aplicar sua receita em títulos da dívida pública, com risco zero e liquidez total.
Além disso, as sucessivas altas da taxa Selic elevaram o custo da dívida pública a um patamar de 5% do PIB brasileiro. Segundo o economista, neste ano, cerca de R$ 400 bilhões serão transferidos dos nossos impostos diretamente para os grupos financeiros, representando uma esterilização significativa da capacidade de investimento do governo federal em infraestrutura e políticas sociais do país.
“Travadas a demanda, a capacidade de expansão das empresas e de investimentos do poder público, a economia para”, explicou Dowbor. A este quadro, complementou, soma-se uma evasão fiscal na ordem de 8,6% do PIB, mais de R$ 500 bilhões em desvios; além das distorções do sistema tributário brasileiro que levam os mais pobres a pagarem proporcionalmente mais do que os ricos.
Por que a economia travou?
Dowbor também chamou a atenção para o fato de que mesmo nas compras à vista, com cartão, os bancos se apropriam de 5% na modalidade crédito e 2% na modalidade débito, um valor significativo de recursos destinado aos cofres dos bancos. De uma forma geral, por meio dessa intermediação que afeta a capacidade de consumo, produção e os investimento público, “os recursos que deveriam ser reinvestidos no fomento da economia são desviados para a especulação financeira e escapam, em grande parte, dos impostos”, avaliou.
Uma drenagem realizada sob a conivência da imprensa que, a serviço dos intermediadores financeiros, incensa o pânico da inflação na população a cada tentativa de redução dos juros, lembrou Dowbor. “Na TV, eles martelam exatamente o que os intermediários financeiros esperam da inflação”. O economista também destacou que “o Brasil não é uma ilha”, portanto, não sofre isolado, nem sozinho, as consequências das distorções do sistema financeiro internacional. “Entre os 147 grupos que controlem 40% do mundo corporativo do planeta, 75% são instituições financeiras”.
Sob a premissa de que não se trata de ser contra os bancos, mas sim de torná-los vetores de desenvolvimento, Dowbor vem defendendo a redução progressiva da taxa Selic para obrigar os bancos a procurarem aplicações alternativas, estimulando as iniciativas de empreendedores e impedindo o escoamento dos recursos públicos. Ele também defende a redução das taxas de juros ao tomador final da rede de bancos públicos, para introduzir mecanismos de mercado no sistema de intermediação financeira.
A brutal concentração financeira
“É impossível separar capitalismo de capital financeiro”, afirmou Fernando Nogueira da Costa, já no início da sua apresentação, ao destacar que a alavancagem financeira pode ser utilizada, também, na garantia de políticas sociais a custos mais baixos. Vice-presidente da Caixa Econômica Federal, entre 2003 e 2007, o economista analisou o processo de bancarização – acesso popular a bancos e, portanto, a créditos – dos últimos dezesseis anos no país, alertando para a persistência da concentração financeira.
Entre 1999 e 2015, o número de contas bancárias no Brasil passou de 75 milhões para 209 milhões, uma expansão de 179%, permitindo que os ‘sem-contas’ ingressassem no sistema de créditos. No entanto, explicou o economista, essa expansão não significou um enriquecimento financeiro popular. No período, a média por conta bancária passou de R$ 3.288,55 para R$ 8.378,80 em valores nominais. Além disso, das 130 milhões de contas de poupança existentes no Brasil, 74 milhões apresentam, na média, R$ 13,45 centavos.
Do outro lado da moeda, ponderou Costa, existem no Brasil 726.725 milionários, 2,5% da população que concentram 42% da riqueza, com ganhos mensais acima de 40 salários mínimos. Dentro desse grupo, estão 57.507 clientes Private Banking que possuem renda per capita média de R$ 12 milhões. “É para esses 5 mil que os ignorantes úteis estão batendo panelas vazias”, ironizou.
Apresentando um comparativo sobre poder de salário do trabalhador entre os anos FHC e anos Lula e Dilma, Costa demostrou que no primeiro período, entre 1994 e 2002, o poder do salário sofreu uma queda de 17%. Já no segundo período, houve uma alta de 16%. Mas, mesmo assim, a renda do capital manteve-se seis vezes maior do que a renda do trabalho. “Os economistas continuaram no BC fixando a maior taxa de juros no mundo e a hegemonia trabalhista não entrou em conflito com a acumulação do capital financeiro. Permaneceu no país uma brutal concentração financeira”, concluiu.
Custo de vida poderia ser muito mais baixo
Hoje existem 900 milhões de cartões de crédito no Brasil, uma média de seis cartões por pessoa. Para Costa, “o problema disso é que os bancos e as bandeiras se tornaram sócios do varejo brasileiro, no sentido de pegarem os dividendos. As compras realizadas nos cartões representam 31% do total. Todos tiram o seu preço”.
Ao analisar as principais modalidades de créditos destinadas à pessoa física, ele defendeu a revogação da proibição, pelo Código de Defesa do Consumidor, da diferenciação de preços a prazo e preços à vista. Segundo ele, o desconto é legítimo já que os ‘sem cartão’ acabam pagando à vista o preço inflado – pelos prêmios de fidelidade, milhas em viagens e outros – equivalente ao preço a prazo.
“O Brasil não é só uma economia inflacionada, há preços inflados no país que elevam o custo de vida desnecessariamente porque estão embutidos no preço da mercadoria. O custo de vida das pessoas poderia ser muito mais baixo e o poder aquisitivo muito mais alto se fossem atacadas as intermediações embutidas nos preços”, explicou. Costa defendeu, também, o fim do crédito parcelado que embute os juros no preço do produto; e os períodos “de graça” que precificam o custo de oportunidade.
O economista destacou, ainda, a importância de uma mudança no comportamento do consumo das pessoas. “Nós sabemos que não podemos entrar no crédito rotativo, mas a grande massa da população não sabe e acredita que limite de crédito é para se gastar à vontade. É preciso entender como se precifica e como se formam as taxas de juros”.
População precisa saber como está sendo espoliada
Em concordância com a necessidade de informar a população, Dowbor finalizou o encontro destacando que a maioria das pessoas se culpam pela inadimplência ou se sentem idiotas por não compreenderem o funcionamento do sistema. “O que as pessoas precisam compreender é que o nome delas não está sujo. Quem tem o nome sujo é a instituição que pratica um negócio como esse”.
Segundo Dowbor, é fundamental demonstrar a forma como as pessoas vem sendo espoliadas pela intermediação financeira. “Nunca, nenhum de nós tivemos uma aula sobre o dinheiro que é o principal estruturador social. Há uma incompreensão generalizada na sociedade”, avaliou.
Em sua visão, o sistema financeiro no Brasil é de longe o mais forte e, também, o mais vulnerável, porque não financia a produção, nem o consumo no país, pelo contrário: “O sistema financeiro praticado no Brasil está travando o consumo e as conquistas sociais. É o exagero cometido, as abusivas taxas cobradas, que o torna vulnerável. Rupturas estão se dando em diversos países do mundo. Nós precisamos mostrar que o sistema financeiro, tal como vem sendo realizado, está drenando o Brasil”.
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Acesse o artigo do professor Dowbor.