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O que pretendem esses manifestos?

A ideia de resguardar a democracia brasileira contra Jair Bolsonaro possui viés negacionista. Para haver normalidade institucional sob ameaça, ela precisa ter sobrevivido aos arbítrios da Lava Jato. Ou o estado de Direito permite conspirações de agentes públicos para eleger um fascista, ou  desde pelo menos 2016.

Faz diferença tratar a deposição de Bolsonaro como rito expiatório do golpismo arrependido ou como símbolo corretivo das manobras inconstitucionais que o puseram no cargo. Está em jogo . O endosso tácito a um sistema, dito “democrático”, no qual procuradores, magistrados, congressistas e militares atuam abertamente a favor do genocida.

O recalque do golpe deve muito ao fetiche sadomasoquista que a imprensa cultiva com os blefes presidenciais. Perigos hipotéticos, jamais realizados, eternizam a vitimização mútua que legitima os parceiros desse intercâmbio agressivo. Sua performance verborrágica esconde dos arquitetos do fascismo com os veículos de comunicação.

Diante do que sabemos acerca da eleição de Bolsonaro, divulgar quimeras doutrinárias beira a covardia. Qualquer bolsonarista escolarizado repete chavões cívicos e apelos humanitários. É fácil repudiar a figura asquerosa do presidente. Esses mínimos denominadores comuns traçam um campo moral, não político. Buscam a conversão de fiéis em vez de medidas práticas.

A urgente deposição de Bolsonaro ultrapassa a esfera do merecido castigo pessoal. Ninguém confrontou a ditadura pedindo a domesticação do tirano ou a troca de um fardado por outro. A plataforma sufragista implicava o fim do regime, não a sua continuidade com civis biônicos. A admissão do golpe era requisito fundamental da bandeira democrática.

Se realmente quisessem promovê-la, os manifestos abordariam as ilegalidades que levaram o fascismo ao poder. Antes que a podridão da Lava Jato virasse trunfo certo para Bolsonaro, denunciariam  e a resultante natureza ilegítima do governo. Jamais criariam uma agenda que se confundisse com a de Sérgio Moro.

Essa afinidade perpassa a ideologia conservadora do “frenteamplismo”. Seu ideal resistente limita-se a garantir que o  sobreviva a Bolsonaro. A demagogia altruísta substitui o discurso justiceiro com o mesmo rancor antipolítico. A doença, eterna metáfora da corrupção, aproxima as mitologias de neutralidade dos respectivos combatentes.

O mote “é hora de esquecermos nossas diferenças” revela : pedagogia autoritária, amnésia edificante, abandono de princípios. Mínimo valor pragmático, nenhuma reciprocidade. A obsessão gregária dos confinados posta. Autoanistia preventiva, outorgada em nome do sofrimento alheio. Perdão sem justiça.

Apesar das responsabilidades de tribunais, governadores e prefeitos na tragédia sanitária, faz sentido usá-la para uma união em torno do impeachment presidencial. Mas o mínimo que se espera de quem repudia Bolsonaro por suas ameaças à constitucionalidade é mencionar os delitos antidemocráticos, , que nos legaram a tarefa de afastá-lo.

Caindo na armadilha adesista, a esquerda se compromete com essas pautas deliberadamente vulneráveis. Um toque de moderação nas atitudes de Bolsonaro e a democracia estará salva. Ou basta apanhá-lo numa das tramas policialescas do STF e da Lava Jato. Primeiro tiramos o capitão, redimindo seus asseclas. Depois comemoramos a liberdade de escrever manifestos.

Publicado originalmente no Blog do Scalzilli.

Face autoritária do neoliberalismo

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A ideia de resguardar a democracia brasileira contra Jair Bolsonaro possui viés negacionista. Para haver normalidade institucional sob ameaça, ela precisa ter sobrevivido aos arbítrios da Lava Jato. Ou o estado de Direito permite conspirações de agentes públicos para eleger um fascista, ou não vivemos nesse regime desde pelo menos 2016. Faz diferença tratar a deposição de Bolsonaro como rito expiatório do golpismo arrependido ou como símbolo corretivo das manobras inconstitucionais que o puseram no cargo. Está em jogo a naturalização do fascismo. O endosso tácito a um sistema, dito “democrático”, no qual procuradores, magistrados, congressistas e militares atuam abertamente a favor do genocida.
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