A revolução digital criou oportunidades inéditas para a democratização do acesso à informação, mas também deu origem a um novo e mais sofisticado sistema de exclusão informativa que afeta especialmente a população de baixa renda. Não se trata mais apenas de falta de acesso à informação pelos mais pobres, mas principalmente da carência de conhecimentos sobre como usá-la em beneficio próprio.
Um estudo recente dos pesquisadores norte-americanos Fiona Morgan e Jay Hamilton mostra como a imprensa dos Estados Unidos ignora a agenda das populações de baixa renda ao seguir incondicionalmente a lógica financeira na produção de noticias gerando conteúdos que ficam fora do alcance monetário dos moradores de áreas pobres.
Segundo Jay Hamilton, um economista, “produzir noticias custa dinheiro, logo alguém precisa pagar por elas, quem paga são os anunciantes e os leitores que, obviamente só compram aquilo que lhes interessa”. A exclusão social gerada por esta lógica mercantil do jornalismo da era analógico/industrial foi, em tese, muito enfraquecida pela multiplicação das plataformas de informação surgidas com a popularização dos computadores, tablets, smartphones e da internet.
Mas a democratização que muitos proclamaram como um avanço social acabou ficando pela metade do caminho, se olharmos o ambiente informativo digital de uma forma mais ampla. A ditadura noticiosa alimentada por leitores e anunciantes capazes de pagar pela informação (os primeiro lendo e os segundos pegando carona na atenção dos leitores) foi complementada pelo surgimento de complexos e sofisticados sistemas de filtragem, processamento e veiculação da avalancha de dados, fatos e eventos que circulam na internet.
Sociólogos da informação, como o italiano Alberto Menucci mostram que o novo sistema de exclusão social dos mais pobres é uma consequência do que ficou conhecido como “analfabetismo digital”, ou seja, além de conhecer minimamente os princípios da computação e da internet, para usufruir das vantagens das novas tecnologias é necessário saber identificar os códigos da comunicação digital.
Para Menucci, “no contexto contemporâneo, podemos definir a exploração (de outras pessoas) como uma forma de participação dependente nos fluxos informativos, em especial, a impossibilidade de controlar a construção de sentido e significados” na massa de notícias que circulam na internet. Menucci conclui: “Até mesmo os favelados estão hoje imersos na informação graças aos smarphones, mas eles não têm o poder de organizar esta informação em proveito próprio”.
Combinando os estudos de Hamilton e Menucci é possível chegar a um dos grandes nós cegos do contexto atual que é a polêmica em torno da chamada Economia Política da Informação Digital. É um debate onde as inovações tecnológicas são analisadas de forma multidisciplinar, mas com ênfase na economia. Analisando os agentes econômicos, como Jay Hamilton fez no seu livro All the News That’s Fit to Sell (Todas as notícias que podem ser vendidas, sem tradução ao português) é possível identificar como e porque a avalancha informativa por um lado libera transformações revolucionarias, por outro abre espaço para sofisticadas fórmulas de manutenção da desigualdade social e econômica.
Exclusão informativa e polarização política
Quando a lógica comercial da imprensa dificulta ao acesso dos segmentos de baixa renda à informação, Hamilton e Morgan afirmam o resultado é uma dupla perda para o conjunto da sociedade: queda de consumo popular o que afeta a produção geral de bens e serviços; e a perda da capacidade de incorporar a informação produzida entre os mais pobres na geração global de conhecimentos, o principal motor da inovação na economia digital.
A exclusão informativa é, cada vez mais, também um fator de polarização política, conforme ficou evidenciado na campanha eleitoral norte-americana de 2016, quando as pesquisas identificaram que o presidente Donald Trump obteve uma alta votação entre os eleitores mais pobres e que, coincidentemente, são os que tem menos acesso às notícias políticas publicadas pelos grandes jornais.
A brecha informativa entre ricos e pobres , nos Estados Unidos, e também aqui no Brasil, está dificultando a sobrevivência da imprensa local e regional, um fenômeno que a a ex-ombudsman do jornal The New York Times, hoje no The Washington Post, Margareth Sullivan qualificou de “emergência jornalística” de consequências imprevisíveis.
As grandes corporações da imprensa que, até agora, usufruíram das vantagens da avalancha informativa na geração de lucros, começam agora a ver o outro lado da super oferta de notícias.