por Carlos Castilho
A sensação de incerteza e desorientação que nos contamina a cada grande acontecimento midiático, se tornou, agora, um fenômeno permanente no jornalismo da era digital. Isto porque cresce a tendência ao uso das ferramentas de desinformação para obter prestígio e seguidores num mercado informativo onde a visibilidade pública é condição básica para a sobrevivência profissional e pessoal.
Governantes, políticos, empresários e personalidades públicas são os principais usuários das técnicas de formatação de dados visando destacar os aspectos que mais lhes interessam ou beneficiam na hora de divulgar uma notícia, dado ou evento. Mas as pessoas comuns também fazem a mesma coisa, a maioria de forma inconsciente, porque as omissões, distorções e descontextualização de notícias já foram incorporadas ao nosso cotidiano.
Mas depois do surgimento da internet, o fluxo de informações cresceu tanto que as consequências da desinformação começaram a se tornar potencialmente catastróficas, especialmente depois do fenômeno das notícias falsas (fake news). A generalização do recurso às chamadas meias verdades complicou extraordinariamente o processamento de produção de notícias pelos jornalistas, que, em teoria, têm como obrigação profissional separar o joio do trigo na complicada arena da informação.
Quando a imprensa percebeu que a desconfiança crescente de leitores, telespectadores e internautas poderia minar o negócio da venda de notícias, ela reagiu de duas maneiras: apostando em sistemas eletrônicos de verificação de credibilidade e autenticidade das informações, ao mesmo tempo que intensificou o lobby a favor da regulamentação da internet, por meio de normas para preservar o controle das empresas sobre as notícias que circulam nas redes sociais.
A grande imprensa elegeu a rede Facebook como o principal alvo em seu esforço para levar os leitores, ouvintes, telespectadores e internautas a acreditarem que é possível acabar com as fake news. Nada menos que 150 projetos de checagem de informações (fact checking) foram criados em 53 países diferentes financiados por grandes fundações, organizações não governamentais e entidades ligadas aos conglomerados jornalísticos privados. Todos os grandes jornais do mundo têm algum tipo de software ou grupo de profissionais para fazer a checagem de dados, fatos e eventos.
No início de fevereiro, o Institute of Law and High Technology, da Universidade Santa Clara, na Califórnia, Estados Unidos, reuniu especialistas acadêmicos em ética, direito e computação, dirigentes de sete grandes empresas de tecnologia, jornalistas dos principais jornais norte-americanos, pesquisadores autônomos e congressistas dos Estados Unidos, com o propósito de tentar, por todos os meios, chegar a propostas mínimas para enfrentar a desinformação em escala planetária.
A síndrome da indiferença informativa
Mas apesar do esforço em difundir a ideia de que é possível controlar a disseminação de fake news, os especialistas em segurança informativa garantem que se pode reduzir a incidência de notícias falsas, mas que é impossível eliminá-las totalmente. A possibilidade de que tenhamos de conviver com a insegurança informativa por um longo tempo gerou exasperação entre os estudiosos da mídia, como a inglesa Emily Bell, fundadora e diretora do Tow Center for Digital Journalism, da Universidade Columbia, de Nova Iorque. Ela escreveu um artigo onde expressava sua angústia já no título: “Como poderemos regular o selvagem mercado de mensagens instantâneas?”
O público, que precisa de informações para sobreviver nesta selva informativa, não tem a quem recorrer e começa a apelar para a apatia noticiosa. Mas ninguém assume a responsabilidade de dizer às pessoas que não há inocentes e nem ingênuos no vale-tudo diário pelo acesso aos corações e mentes das audiências. Os que não aderiram ao niilismo noticioso tentam se proteger da incômoda sensação de vulnerabilidade refugiando-se em guetos informativos onde acabam contagiados pela xenofobia, radicalismo e extremismos.
No meio de tudo isto, ressurge o velho recurso à regulamentação da atividade informativa na internet, em especial nas redes sociais. No Congresso Nacional, em Brasília, há pelos menos 20 projetos prevendo leis mais draconianas e punições mais duras para quem for considerado autor e disseminador de notícias falsas, distorcidas ou intencionalmente descontextualizadas. Propor e votar a favor é fácil em comparação aos problemas que surgirão na aplicação de uma eventual regulamentação. A complexidade das notícias online vai exigir uma não menos complexa interpretação legal, sem falar que provavelmente haverá uma avalanche de processos, tendo em vista o volume de informações digitalizadas diariamente.
Para dar um exemplo das dimensões do problema da desinformação, minutos após o tiroteio numa escola da cidade de Parkland, na Florida, que deixou 17 alunos e professores mortos, as redes sociais já estavam atulhadas de mensagens com notícias falsas ou distorcidas sobre o massacre. E não eram só pessoas revoltadas. As “fábricas” de fake news localizadas em países do Leste europeu exploraram o caso para aumentar a polarização entre políticos e eleitores norte-americanos usando a polêmica questão da livre compra de armas pesadas nos Estados Unidos.
Quase todos os protagonistas do jogo da desinformação têm seus interesses próprios e tratam de defendê-los a todo custo, nem que seja recorrendo à mesma desinformação. O grande órfão em tudo isto é o público que teoricamente, deveria ter a imprensa e a universidade como parceiros. Acontece que nem um e nem o outro assumiram, até agora, a espinhosa missão de dizer a leitores, telespectadores e internautas que não há saída fácil para o problema e que a solução só virá quando cada cidadão se encarregar de verificar os dados e notícias que repassa para seus amigos, parceiros e parentes.
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