A barra estava pesada em junho de 1968. Em março daquele ano, o estudante Edson Luís tinha sido assassinado pela repressão no restaurante Calabouço no Rio. Em 21 de junho, o dia que ficou conhecido como a sexta-feira sangrenta, a ditadura militar reprimiu com violência uma manifestação: quatro manifestantes foram assassinados, outros 23 baleados e centenas de opositores acabaram detidos no centro da cidade do Rio de Janeiro. Depois do episódio, o receio dos militares com a crescente impopularidade do governo foi a deixa para a Passeata dos Cem Mil.
A revolta com mais de quatro anos de regime de exceção reuniu estudantes, religiosos, intelectuais, artistas e trabalhadores no protesto do dia 26 de junho de 1968. Estiveram presentes, entre os artistas, Gilberto Gil, Glauber Rocha, Caetano Veloso, Nana Caymmi, Torquato Neto, Tônia Carrero, Paulo Autran, Marieta Severo, Clarice Lispector, Milton Nascimento, entre outros.
Pela manhã, milhares de pessoas já se reuniam na Cinelândia, em frente à Assembleia Legislativa. No início da tarde, os manifestantes subiram a avenida Rio Branco em direção à Candelária gritando palavras de ordem e receberam o apoio dos ocupantes dos prédios no caminho que aplaudiam e jogavam papel picado. Os estudantes gritavam “desce, desce!” O DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) prendeu cinco estudantes que panfletavam, o que foi um número baixo para a época. Não houve incidentes.
Discursaram alguns representantes da Igreja, um representante dos favelados da cidade, o psicanalista e escritor Hélio Pellegrino e outros, mas o discurso que marcou o dia foi do líder estudantil Vladimir Palmeira, perseguido pela repressão e vivendo clandestino em um apartamento há um mês. Palmeira desmentiu que foi pedida permissão para o protesto. O governo repetia a falsa versão de que tinha sido benevolente e havia permitido o ato. Palmeira, que havia chegado ao local ao meio-dia, desmentiu os militares: “para a realização da passeata não foi pedida autorização e é uma derrota do governo, ela custou o sangue e muita pancada nos estudantes”.
“Não pense que aplaudir e gritar ‘abaixo a ditadura’ é uma vitória. Hoje a repressão não veio porque não pôde. E a nossa vitória é esta: ter saído na raça porque achava que tinha que sair. Mas a gente vai voltar pra casa, o estudante pra aula, operário pra fábrica, repórter pro jornal, artistas pro teatro. E é em casa, no trabalho, que a gente vai continuar a luta”
(trecho do discurso de Vladimir Palmeira na Passeata dos Cem Mil em 26 de junho de 1968 no Rio de Janeiro).
O apoio popular à manifestação forçou o ditador de plantão, general Costa e Silva, a receber uma comissão eleita pelos participantes do protesto formada pelos estudantes Franklin Martins e Marcos Medeiros, o escritor Hélio Pellegrino, o professor José Américo, o padre João Batista e o advogado Marcello Alencar. Costa e Silva exigiu o fim definitivo de qualquer manifestação estudantil, deixando claro que nenhum acordo seria possível. Os estudantes marcaram nova manifestação para 4 de julho.
Em 13 de dezembro do mesmo ano, a ditadura endureceu ainda mais o regime com a edição do AI-5 em que o governo fechou o Congresso Nacional, deu-se a prerrogativa de suspender os direitos políticos de qualquer cidadão por 10 anos, cancelou o habeas corpus para crimes políticos e proibiu atividades e manifestações. Saiba mais sobre o AI-5.