Zona Curva

O filme que ninguém viu

A novela do filme Chatô do ator-diretor Guilherme Fontes teve início há 18 anos. Durante esse período, houve de tudo um pouco: condenações judiciais, promessas repetidas de estreia do filme, cifras contraditórias do orçamento do filme e, sobretudo, uma das produções mais demoradas da história do cinema.

O não-filme de Fontes adapta a genial biografia Chatô, o Rei do Brasil (1994), do escritor Fernando Morais, catatau de quase 700 páginas que narra a vida do barão da mídia Assis Chateaubriand. O episódio levanta a lebre da discussão sobre as distorções do incentivo cultural no Brasil (leia abaixo Farta de curtura na Lei Rouanet).

Em julho do 2012, em entrevista à revista Caras, o diretor prometeu o filme até o final do ano passado: “estou me preparando para finalmente estrear o Chatô. Pode contar uns quatro, cinco meses a partir de hoje”, afirmou. Pior: o diretor afirmou na mesma entrevista que entrou com quatro projetos de cinema no Ministério da Cultura para captação de recursos.

Guilherme Fontes beija a cantora Sandy na novela Estrela-guia (2001)
Guilherme Fontes beija a cantora Sandy na novela Estrela-guia (2001)

O imbróglio do ator global e seu Chatô já contabilizam três condenações judiciais. Em setembro do ano passado, a justiça carioca o condenou ao pagamento de indenização de R$ 2,5 milhões a Petrobras Distribuidora e Petrobras S/A de quem recebeu dinheiro para realizar o filme. Em 27 de abril de 2010, o ator foi considerado culpado em processo criminal por sonegação fiscal. A pena de três anos de prisão foi transformada em prestação de serviços comunitários pelo mesmo período e mais uma multa de doze cestas básicas no valor de R$ 1 mil cada.

Em 2008, sob processo instaurado pela Ancine (Agência Nacional de Cinema), Fontes foi indiciado por irregularidades na prestação de contas do filme e condenado pela Controladoria-Geral da União a devolver R$ 36,5 milhões aos cofres públicos, total do dinheiro captado para a produção do filme. Fontes contesta esse valor e afirma que gastou um terço dessa quantia, apenas R$ 12 milhões.

Guilherme Fontes iniciou sua carreira pelas mãos do diretor Cacá Diegues como protagonista do filme O Trem para as estrelas (de 1987), em que interpretou um saxofonista durante os anos de chumbo. No filme, o ator interpreta Vinícius que passa por diversas experiências pelas ruas do Rio de Janeiro enquanto procura por sua namorada desaparecida após uma noite de amor. O professor bêbado, interpretado por José Wilker, é impagável. O ator chegou a participar do seriado Malhação e de novelas como Rei do Gado e Mulheres de Areia, na TV Globo.

Guilherme Fontes em Trem para as Estrelas, de Cacá Diegues

Farta de curtura na Lei Rouanet

A criação da Lei Rouanet em 1991 estimulou a produção cultural brasileira mas, infelizmente, alguns casos nos levam ao debate dos critérios de aprovação de projetos pelo Ministério da Cultura.
A lei permite que 6% do IRPF (Imposto de Renda para pessoas físicas) e 4% do IRPJ (Imposto de Renda para pessoas jurídicas) sejam aplicados em projetos culturais. Sem dúvida, esse dinheiro colaborou para a produção de peças, filmes e espetáculos de qualidade. Mas, ao mesmo tempo, veja algumas captações pela lei, no mínimo, questionáveis:

• A cantora de axé Claudia Leitte captou R$ 6 milhões via Lei Rouanet para sua turnê pelas regiões Norte e Nordeste em 2013.
• O Club A, casa noturna para playboys e socialites em São Paulo, captou R$ 5,7 milhões para a “criação de um painel artístico de difusão cultural”. A entrada da casa (sem nome na lista) sai pela bagatela de R$ 160.
• Em 2011, a cantora Maria Bethânia conseguiu autorização do ministério para captar R$ 1,3 milhão para o blog “O Mundo precisa de poesia” para realizar vídeos lendo poemas sob a direção de Andrucha Waddington.
• O filme “Isso é Calypso”, que contará a trajetória da banda de Joelma e Chimbinha, pode captar R$ 10,7 milhões para sua produção até dezembro de 2016.
• O espetáculo teatral mais lucrativo da história do teatro americano (US$ 853,8 milhões), O Rei Leão, captou R$ 11,7 milhões em isenção fiscal.

Sair da versão mobile