O governo brasileiro que assumiu há poucos dias terá pela frente um desafio inédito na política nacional, porque seu sucesso dependerá mais da forma pela qual vai se comunicar com a população do que pela realização de projetos e obras. Parece um absurdo, uma incongruência, mas é uma realidade nova que reflete as mudanças em curso no modo como a informação e a comunicação passaram a ser preponderantes na política brasileira e mundial.
A principal mudança na gestão do país parece ser a de que os chefes de poderes executivos nacionais, estaduais e municipais terão que se comunicar mais com a população do que assinar papéis e negociar com políticos e empresários. É que na era digital, a sustentabilidade política de um governo passou a depender, fundamentalmente, da forma como um presidente é percebido por milhões de pessoas que frequentam as redes sociais.
A percepção política integra o que os especialistas em comunicação chamam de ecossistema informativo, ou seja, o conjunto de fatores sociais, econômicos, políticos, culturais e tecnológicos que condicionam a maneira como as pessoas desenvolvem o seu conhecimento do mundo em que vivem. Até agora as percepções envolviam dois tipos de conhecimento sobre fatos, dados e eventos noticiados pela imprensa: o conhecimento de alguma coisa e o conhecimento sobre algo. No primeiro caso, temos o puro registro de uma novidade, como por exemplo, quando lemos uma manchete de jornal. Sabemos o que aconteceu, mas ignoramos porque, como, os antecedentes e as consequências de uma notícia.
A opinião pública na era digital não é mais formada a partir da lógica, causalidade e reflexão. O volume, diversidade e a velocidade com que as informações são jogadas no meio social impedem as pessoas de raciocinar como antes. Estamos na era do impacto informativo, onde as percepções são formadas a partir do acúmulo de notícias, dados, fatos e eventos, ou seja, através do bombardeio informativo nas redes sociais e em veículos convencionais como os canais noticiosos em redes fechadas de TV.
A estratégia informativa do impacto é a responsável pelo fato de tantas pessoas acabarem ignorando a lógica e o chamado bom senso. Bolsonaro usou esta técnica para criar percepções distorcidas em suas lives das quintas-feiras, cujo conteúdo era depois reforçado pela reprodução em massa da mesma mensagem, numa operação coordenada pelo chamado gabinete do ódio, instalado no Palacio do Planalto.
Ferramenta obrigatória
O uso, durante a última campanha eleitoral, da técnica de acumulação de postagens impactantes através das redes sociais, conseguiu inclusive compensar as resistências da grande imprensa nacional à campanha de reeleição do presidente Bolsonaro. No passado, o apoio de grandes jornais e redes de televisão era um elemento decisivo para a viabilidade eleitoral de candidatos e para a sustentabilidade política de presidentes, governadores e prefeitos. Agora, a grande imprensa dedica boa parte de sua agenda noticiosa a repercutir postagens impactantes, boa parte delas fake news, produzidas nas redes sociais. A comunicação com a massa de usuários de redes sociais transformou-se numa ferramenta obrigatória para quem está no poder ou aspira a ele.
O presidente eleito terá que adotar uma comunicação permanente com a população para buscar apoio para seus projetos, especialmente na primeira fase do seu governo, por conta da trágica herança financeira e administrativa deixada pelo seu antecessor. Lula não terá dinheiro suficiente para cumprir várias promessas eleitorais e precisará convencer seus seguidores a serem pacientes até que os problemas mais graves sejam resolvidos.
O apoio da opinião pública é a única opção disponível para o novo chefe de governo, já que ele não conta com maioria efetiva no congresso nacional, dispõe apenas de uma temporária simpatia da grande imprensa, enfrenta resistências nas Forças Armadas e no setor empresarial privado. Esta conjuntura política e as novas condições criadas pelos impactos informativos na formação da opinião pública nacional aumentaram a importância que as estratégias de comunicação passam a ter nas prioridades governamentais.