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O drama dos peruanos e de toda América Latina

Dina Boluarte, vice-- presidente que assumiu o lugar de Pedro Castillo )Foto: Ernesto Arias – Congresso de la República)

Pedro Castillo – Para quem acompanha a realidade latino-americana desde há décadas, uma lição tem sido dada, recorrentemente: tentativas de mudança via eleições e conciliações não conseguem avançar de maneira significativa em nenhum lugar. Ou a própria classe dominante local/regional trata de estrangular as experiências ou o império estadunidense estende suas garras armadas para defender os seus interesses geopolíticos. É um eterno retorno, ano após ano, década após década, que só encontrou barreira até agora num único lugar: Cuba, a ilha do Caribe que decidiu fazer uma revolução radical e que, a altos custos, continua mantendo os ganhos estruturais desse processo. Nos demais países, sempre que alguma proposta mais popular avança (e nem precisa ser de esquerda), a receita é infalível: derrocada.

Na história contemporânea, o continente latino-americano viveu algumas experiências alvissareiras que se seguiram ao aparecimento do furacão Hugo Chávez no final dos anos 1990. Veio a chamada revolução bolivariana na Venezuela, a revolução cultural na Bolívia e a revolução cidadã no Equador. Importante aclarar que nenhuma destas três foram de fato revoluções: Hugo Chávez, Rafael Correa e Evo Morales foram eleitos, dentro dos marcos da chamada democracia burguesa, ainda que com forte adesão popular. E ainda teve Aristide no Haiti, Nestor Kirchner na Argentina, Fernando Lugo no Paraguai, Mujica no Uruguai, Mel Zelaya em Honduras e Lula no Brasil, para citar apena os mais comentados.

Esse momento que irrompeu no alvorecer do século XXI foi chamado de “onda vermelha”, embora o vermelhusco de cada um fosse bastante matizado. Pelo que se viu, apenas Chávez tentou ir mais fundo nos processo de mudança e, mesmo tendo sofrido um golpe, dado pela elite local com a assessoria dos EUA, conseguiu mobilizar a população e voltar ao poder com toda a força. Acabou morto em 2012 vítima de câncer genuíno ou provocado, isso ainda está nebuloso. A Venezuela, agora com Maduro, segue sob ataque do império e se mantém paralisada.

Aristide foi retirado da presidência do Haiti e o país foi ocupado militarmente, tendo sido sistematicamente destruído até os dias de hoje. Rafael Correa teve mais um mandato e descambou para o liberalismo, deixando o Equador nas mãos de Lenin Moreno, que acabou de colocar todas as conquistas do primeiro mandato de Correa no lixo. Os Kirchners foram violentamente atacados pela mídia argentina, de mãos dadas com a classe dominante local, assessorada pelos EUA. O que levou a vitória de Maurício Macri e ao saque das riquezas. Fernando Lugo sofreu um golpe parlamentar, Lula passou o bastão a Dilma que também sofreu um golpe parlamentar, Zelaya foi arrancado da presidência de Honduras pelo serviço secreto estadunidense, Lula depois acabou preso. Mujica sobreviveu, mas ao fim o Uruguai acabou voltando para a direita. Ou seja, a onda vermelha desbotou totalmente.

Para quem acompanha a história da América Latina isso não se configura novidade. Desde as guerras de independência tem sido assim. Bolívar, que sonhava com o continente unificado e forte foi traído e morreu esquecido enquanto os seus antigos generais brigavam para tomar para si fragmentos da Pátria Grande esquartejada. E por aí vai, os exemplos são intermináveis, ainda que em conjunturas diferentes. Dentro do sistema capitalista de produção que se tornou vitorioso no mundo os países centrais, hoje com os Estados Unidos na cabeça, tudo fazem para manter a periferia destroçada e dependente, sem chance de erguer a cabeça.

O Peru não escapa do destino manifesto desenhado pelo império. Teve seus ditadores e gangsteres comandando os destinos do povo, sem nunca conseguir mudar as coisas. Alan Garcia, da Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA), foi uma exceção, eleito em 1985, no auge dos seus 35 anos, com uma proposta de esquerda. Encerrou seu mandato e foi seguido por Fujimori, que logo deu um golpe instaurando a ditadura. Voltou à presidência em 2004, mas já não era tão vermelho, e acabou suicidando-se quando o judiciário peruano o condenou à prisão.

É por isso que o presidente do IELA, Nildo Ouriques, insiste em dizer que no Peru não aconteceu nada, além do mais do mesmo. Pedro Castillo elegeu-se num momento em que o sistema político local estava completamente esfacelado, diante dos desmandos de corrupção de presidentes que se sucediam e caiam. Foi considerado um azarão. Professor, sindicalista, levou com ele algumas bandeiras da esquerda, mas não era, de forma alguma, um homem da esquerda. Ainda assim, a classe dominante local não poderia aceitar alguém completamente fora de seu comando na presidência. E foi por isso mesmo que o Congresso, tomado pela oposição, não permitiu que Castillo governasse, imputando derrota trás derrota. Castillo não convocou o povo, foi aceitando as imposições que vinham do Congresso sobre sua equipe de governo e a derrocada foi uma consequência natural.

Um elemento importante pontuado pelo professor Ouriques e que tem escapado da análise tradicional – geralmente superficial – foi a reforma do judiciário comandada pelo Banco Mundial em praticamente todos os países da América Latina no começo dos anos 1990, quando também teve início a onda chamada de neoliberal. Essa reforma garantiu um caráter de classe ultraliberal ao sistema judiciário, colocou no centro do poder e deu protagonismo aos togados. “Por isso que esse ativismo judicial não é um acidente brasileiro. Ele perpassa a América Latina inteira”. E foi esse ativismo judicial que criminalizou Zelaya, Lugo, Dilma, Cristina… “Basta ver os dados. O judiciário permite avanços nos direitos civis, mulheres, LGBT, negros etc… mas, não permite que se avance um centímetro nos direitos trabalhistas”. Pelo contrário, faz é garantir a retirada de direitos.

A batalha dada no Peru contra Castillo estava nesse campo. Ele era acusado de incapacidade moral, ou seja, uma invenção política que estava adquirindo potência jurídica. O Congresso ia para a terceira tentativa de derrubada. Castillo já havia se defendido de todas as formas no campo jurídico e não havia provas concretas contra ele sobre corrupção ou coisa assim. Era incapacidade moral. A direita não queria deixá-lo governar. Então, Castillo se precipitou e tentou frear o golpe que viria no Congresso. Mas, não foi capaz de garantir uma articulação mínima com seus aliados ou com as forças armadas. Perdeu. Está preso. Assim como estará Cristina Kirchner logo mais. O judiciário atuando sem parada, completamente mancomunado com a política da classe dominante, como foi no Brasil, com Lula. Todo o desmanche provocado por Bolsonaro só atingiu trabalhadores e classe média. A burguesia segue ilesa.

Esse é o drama. Agora, no Peru, assume a vice-presidente, Dina Boluarte,  provavelmente sem poder algum. Ou se tornará títere como foi Jeanine Añez na Bolívia ou garantirá certa estabilidade até novas eleições. Mas, provavelmente será mais um capítulo de fracasso.

O drama dos peruanos e de toda América Latina
Dina Boluarte, vice-presidente que assumiu o lugar de Pedro Castillo (Foto: Ernesto Arias – Congresso de la República)

Na América Latina, outra lição se coloca todos os dias para aqueles que sonham com um tempo de liberdade: a esquerda precisa ter um projeto de poder, e não apenas de governo. Essa é uma tecla que o professor Nildo Ouriques tem batido desde muito tempo nas suas análises sobre o continente. Mas, sem eco.

No caso do Peru, Pedro Castillo manteve no Banco Central um presidente que ali estava já há 16 anos, atravessando governos, e não foi capaz de apresentar uma política econômica transformadora, soberana, que partisse das bases trabalhadoras. Seguiu o mesmo diapasão da velha classe dominante, que apesar da crise política seguiu intocável. No Peru de hoje, 76% da força de trabalho é informal. A vida dos trabalhadores só decai enquanto o ciclo de negócios segue excelente e os ricos seguem cada vez mais ricos. Tudo está bem para a classe dominante. A crise do sistema político que não tem fim não significa crise da dominação burguesa.

É assim que a banda toca na América dependente e subdesenvolvida.

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Dez anos sem Chávez

 

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