As fake news deixaram de ser apenas um dilema jornalístico para se tornar uma questão politica capaz de mudar os rumos de um país. A ampliação do alcance do problema está diretamente associada à vertiginosa veiculação de notícias falsas através das redes sociais, criando um desafio ainda maior e mais relevante.
Esta é mais uma das consequências da ampliação do uso das novas tecnologias de comunicação e informação (TICs), responsáveis por uma sucessão de quebras de modelos sociais, políticos, culturais e econômicos, que pode ser ainda mais importante do que a deflagrada pela invenção dos tipos móveis, no século XV, por Johannes Gutenberg.
Estamos diante de um tríplice dilema cuja analise só pode ser feita de forma integrada porque o efeito conjunto é muito maior do que a soma das consequências de cada componente isoladamente. As fake news disseminadas por redes sociais geram percepções também falsas que por sua vez alimentam posicionamentos políticos e ideológicos que por sua vez realimentam o ciclo de polarizações cada vez mais divorciadas da realidade.
Os projetos de checagem de informações promovidos por organizações jornalísticas são importantes, mas incapazes de abranger o incomensurável universo informativo que nos cerca. Podem servir para restituir parte da credibilidade perdida pela imprensa, mas se o fact checking não for concebido dentro de uma estratégia mais ampla, a verificação noticiosa acabará sendo pouco atrativa para as pessoas diante da avalancha informativa na internet.
A isto se some o papel das redes sociais que hoje se transformaram em negócios bilionários justamente porque facilitam e aceleram o fluxo de mensagens interpessoais, que inevitavelmente incluem também notícias falsas e desinformação. A rede Facebook, por exemplo, está hoje no centro de uma polêmica mundial por sua resistência em abrir a caixa preta dos algoritmos que controlam a veiculação de mensagens entre os seus 2,3 bilhões de usuários no mundo inteiro.
Quanto maior o fluxo de mensagens maior o faturamento das redes que logicamente não querem abrir mão de sua mina de ouro, seja ela do Facebook, Whatsapp, Google, Twitter ou YouTube. A dinâmica das redes se apoia no velho principio de “quem narra um conto aumenta um ponto”, o que inevitavelmente alimenta a polarização seja ele política, ideológica ou de costumes. O resultado é combustível para governos ultraconservadores, para terroristas e desequilibrados mentais.
O fracasso das iniciativas judiciais visando acabar com a disseminação de mentiras e meias verdades deixou o jornalismo como o principal responsável pela checagem e denúncia de informações falsas, distorcidas ou fora de contexto. A fluidez estrutural do ambiente das redes sociais facilita a migração de usuários para outras redes como as ultra direitistas Gab e Voat, caso Facebook, Twitter ou Whatsapp venham a ser regulamentadas . Há ainda outras redes, como Telegram , que podem servir de refugio para grupos radicais.
Pesquisas na Alemanha mostraram que o movimento anti-refugiados árabes é mais forte em cidades com maior número de usuários de redes sociais. Na Ásia, nas Filipinas e Myanmar, o Facebook tornou-se a plataforma mais usada para que grupos xenófobos e racistas organizem atos de violência, incluindo linchamentos e terrorismo.
A combinação de fake news com ativismo em redes sociais já configura uma nova realidade politica conservadora com a qual teremos que lidar daqui por diante. Estamos ingressando num período onde o uso da informação como arma politica começa a atingir um patamar inédito em nosso comportamento social. Como já não conseguimos mais verificar o grau de veracidade de todas as notícias que recebemos diariamente, o recurso que nos resta passa a ser buscr ajuda na identificação da origem e possíveis objetivos das notícias sob suspeição. A desinformação deixa de ser um fenômeno episódico para tornar-se um item incorporado aos dados, fatos e eventos com os quais entramos em contato, o que nos obriga a ter que relativizar todas as notícias que recebemos.
A máquina eleitoral das fake
Uma reportagem da Folha de São Paulo, publicada no dia dois de dezembro, mostrou como as empresas Quickmobile, Croc Services, SMS Market, Yacows, FDeep Marketing e Yaplix usaram CPFs de idosos para fraudar os registros legais para disparar milhões de mensagens visando condicionar a opção de voto de milhares de eleitores. O site Congresso em Foco monitorou identificou 123 notícias falsas na web brasileira e delas, 104 eram contrárias ao candidato Fernando Haddad, do PT.
A eleição de Jair Bolsonaro é uma das primeiras consequências concretas da forma como as redes sociais interferem nos julgamentos políticos das pessoas. O uso do Facebook, Twitter e Whatsapp obedeceu a uma estratégia e procedimentos cuidadosamente elaborados contrastando com o uso amador e empírico feito pela campanha de Fernando Haddad. A justiça eleitoral inicialmente ameaçou medidas drásticas no inicio da campanha, mas depois teve que admitir sua incapacidade de garantir uma isenção informativa plena e confiável até o dia da votação.
Desconfiar, duvidar e questionar tornaram-se comportamentos obrigatórios para sobreviver na selva das notícias falsas ou distorcidas, das meias verdades e dos fatos fora de contexto. Assistir um telejornal sem uma postura crítica vai chegar cada vez mais perto de uma atitude irresponsável porque nos tornará cúmplices da disseminação involuntária de informações enviesadas ou simplesmente falsas.
Não há como fugir desta situação que também não é uma característica desta ou daquela posição politica ou ideológica. O viés, a adulteração e a descontextualização tornaram-se componentes do fluxo de noticias, seja qual for a sua origem ou o seu propósito. Os conservadores foram os que utilizaram a informação como arma politica, de forma mais sistemática e eficiente, mas as ferramentas são de livre acesso e não será surpresa se outros movimentos políticos passaram a usá-las.
Publicado originalmente na página Medium de Carlos Castilho