por Carlos Castilho
Se depender do pesquisador Aviv Ovadya, famoso mundialmente por ter previsto em 2016 o surgimento do fenômeno das fake news (notícias falsas), nós estamos caminhando rapidamente para uma situação que ele descreve como um “apocalipse informativo”, cuja principal consequência prática seria uma “apatia noticiosa”.
Aviv, formado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) estuda há quase uma década o fluxo de informações na internet, especialmente nas redes sociais virtuais, e suas conclusões são preocupantes. Segundo ele, uma aliança informal de políticos, economistas, publicitários e engenheiros eletrônicos promove o crescimento acelerado da chamada economia da informação, sem qualquer preocupação crítica com relação aos efeitos que ela pode acarretar para o cidadão comum.
A economia da informação cresce a partir dos milionários interesses financeiros gerados pela indústria eletrônica, que geram dividendos monetários para os publicitários e enquanto os políticos passam ao largo do tema por ignorância e/ou interesses eleitorais. O resultado é que, apesar dos alertas de pesquisadores acadêmicos, ativistas cibernéticos e alguns poucos legisladores, a insegurança informativa da população cresce alimentada pelo fluxo constante de fake news produzidas por políticos, empresários e governantes.
Caso o ritmo de circulação das notícias falsas continue se intensificando, Aviv Ovadya prevê que as pessoas adotarão o que chamou de “apatia informativa” porque simplesmente não conseguirão mais separar desinformação e as fake news dos conteúdos confiáveis. O prognóstico de Aviv faz todo sentido porque o chamado “autismo informativo” é uma reação defensiva já perceptível em muitas pessoas que lidam com grande volume de informações publicadas em jornais, revistas, telejornais, redes virtuais e programas jornalísticos radiofônicos.
A dinâmica da economia da informação, alimentada por lucros milionários, acabou criando uma bolha englobando profissionais da tecnologia, dos mercados financeiros e nas consultorias políticas, onde os participantes se retroalimentam em matéria de notícias, sem levar em conta a base social sobre a qual atuam.
Estamos entrando numa espécie de “niilismo informativo” onde o descrédito passa a ser uma regra de sobrevivência individual num ambiente noticiosamente caótico por conta da incerteza nos dados, fatos e eventos publicados nos meios de comunicação. Quando passamos a receber mensagens publicitarias inidôneas (spam ou pishing) formatadas exatamente da mesma forma que uma notícia de jornal, perdemos a confiança em nossos referenciais tradicionais e aí o jeito é descrer em tudo.
Os paradoxos da era digital
Quem mais sai perdendo no apocalipse informativo é a imprensa, por motivos óbvios. A posição dos veículos tradicionais de informação é complicada porque o setor paga o preço por dois processos que antecedem à chegada da internet e da avalanche noticiosa: o fato da imprensa ter se identificado como a porta-voz da verdade, criando a ilusão de que ela teria condições de separar o joio do trigo em matéria de notícias, o que hoje se sabe ser concretamente impossível; e a transformação das empresas de comunicação em instituições participantes do jogo político formal, graças ao controle exercido sobre o fluxo de mensagens entre tomadores de decisões e a grande massa dos cidadãos. Trata-se de uma posição estratégica cuja relevância e poder de influência acabou levando a imprensa a deixar em segundo plano a preocupação com a imparcialidade informativa.
A real possibilidade de uma apatia noticiosa generalizada se constitui num dos grandes paradoxos da era digital. Apesar das expectativas de um avanço histórico na liberdade de informação, por conta da internet, acabamos contaminados por dúvidas e inseguranças sobre o mundo que nos cerca. Não há como voltar atrás. Inevitavelmente passaremos por um período de incertezas até que haja uma re-acomodação nos costumes, regras e valores associados à atividade informativa, com base no interesse público e não mais apenas no lucro.
A imprensa, de maneira geral, ainda tenta estratégias paliativas para a crise no seu modelo de negócios, dando mais importância a recuperação de sua lucratividade passada do que à preocupação pública com a incerteza informativa entre seus leitores, ouvintes, telespectadores e internautas.
Surpreendentemente, a rede Facebook, apontada como uma mega central distribuidora de fake news, resolveu mergulhar de cabeça na tentativa de “desinfetar” o fluxo de informações entre seus dois bilhões de usuários. O “garotão” Mark Zuckerberg parece ter vislumbrado um desastre empresarial que muitos outros, bem mais experientes, ainda não conseguiram detectar.
É pouco provável que a iniciativa da rede Facebook dê resultados rápidos e espetaculares, porque as notícias falsas não são só o resultado de erros técnicos e de uma delinquência informativa, passível de punições exemplares. Elas são um subproduto estrutural surgido pela sobrevivência de velhos comportamentos num ambiente digital novo que nós ainda estamos começando a conhecer.
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