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Nem só as mães eram infelizes na ditadura militar

“Cabelo comprido e minissaia. Se tivéssemos proibido, se todas as mães do mundo tivessem proibido essa liberdade quando começou, protegido os corpos de nossos filhos, se nós tivéssemos proibido que eles se juntassem para aquelas danças de uns anos atrás eles não estariam assim, loucos, se nós tivéssemos proibido a pílula, proibido que se falasse em pílula nos jornais, meu Deus, se eu tivesse uma filha eu acho que morreria de preocupação, ficava doida, ter de olhar dentro da bolsa, ler as cartas escondidas, ouvir as conversas, proibir certas leituras, isso sim, se os jornais não pudessem falar de sexo, se tivéssemos proibido que tirassem a roupa nos teatros, nos cinemas, nas praias, esses hippies sem-vergonha fumando maconha e fazendo sem-vergonhices pelados na frente dos fotógrafos, isso deveria ser proibido publicar, é nossa obrigação defender os olhos dos nossos filhos contra essas liberdades, a gente deveria ter obrigado todos eles a cortarem o cabelo, agora é tarde, estão aí pelas ruas, correndo e gritando, brincando com fogo, fumando maconha, Carlinhos não, Deus me livre, até se ofendeu quando eu perguntei: “tá por fora, mãe, a minha é outra”, outra?, que linguagem é essa?, você quer o que na vida?, “tudo”, disse ele, “nós queremos tudo””

— trecho do capítulo Preocupações (de uma senhora mãe de um rapaz) do livro A Festa, do jornalista e escritor mineiro Ivan Ângelo, em que uma mãe reacionária está aflita com  o engajamento de seu filho Carlinhos no movimento estudantil na ditadura militar.

O livro A Festa, de 1976, foi um dos primeiros  livros a retratar os conflitos políticos do período. Para isso, o escritor monta um caleidoscópio com contos que narram supostos acontecimentos da época. Reunidos, os textos podem também formar um romance. Com o livro, Ângelo venceu o Prêmio Jabuti de 1976.

 

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