por Fernando do Valle
Étienne de La Boétie – A recusa em obedecer aos tiranos e a luta pela liberdade podem desestabilizar o poder tanto ou mais do que o uso da força, esse é o grande achado do escritor francês Étienne de La Boétie em seu breve livro do século 16, Discurso da Servidão Voluntária. Para La Boétie, os tiranos sobrevivem da servidão voluntária, se o cidadão se libertar dos grilhões, o governo se enfraquece naturalmente.
A ideia da desobediência civil na briga contra a injustiça e o arbítrio, muito utilizada na luta política nos anos 60, formulada pelo pensador Henry Thoreau no século 19 sofreu forte influência também do livro de La Boétie, que destacou-se no contexto de textos panfletários, em sua maioria de escritores protestantes, contra os constantes abusos da monarquia.
“Coisa realmente admirável, porém tão comum, que deve causar mais lástima que espanto, ver um milhão de homens servir miseravelmente e dobrar a cabeça sob o jugo, não que sejam obrigados a isso por uma força que se imponha, mas porque ficam fascinados e por assim dizer enfeitiçados somente pelo nome de um, que não deveriam temer, pois ele é um só, nem amar, pois é desumano e cruel com todos” (Étienne de La Boétie).
“Os próprios povos que se deixam, ou melhor, que se fazem maltratar, pois seriam livres se parassem de servir. É o próprio povo que se escraviza e se suicida quando, podendo escolher entre ser submisso ou livre, renuncia à liberdade, e aceita o jugo; quando consente com seu sofrimento, ou melhor, o procura” (Étienne de La Boétie).
A data do texto é discutida até hoje, seu grande amigo, o escritor Michel de Montaigne revelou que ele escreveu Discurso da Servidão Voluntária quando tinha apenas 18 anos. Acredita-se que ele começou a escreveu o livro entre 1546 e 1548, ou seja, ainda adolescente, ele nasceu em 1530. A obra mais conhecida de La Boétie só foi publicada após sua morte em 1563. Montaigne bancou a publicação de Servidão e outros escritos do amigo em 1571.
No livro, Boétie se mostra fascinado pelas intrigas da corte romana de onde extrai valiosas lições dos meandros da política, aborda as fraquezas da tirania e tece loas à liberdade. O inconformismo do escritor com a incongruência entre a natureza humana e o ato de obedecer, ao cúmulo de alguns rastejarem perante o governo da vez, inspira a luta democrática até hoje.
“Não pode haver amizade em que se encontrem a crueldade, a deslealdade, a injustiça. Quando os maus se reúnem há uma conspiração, não uma sociedade. Não se amam, mas se temem. Não são amigos, mas cúmplices” (Étienne de La Boétie).
“Não se pode entrar em entendimento de ninguém que a natureza tenha posto alguém em servidão, porque ela nos reuniu todos em companhia. Contudo, de nada adianta debater se a liberdade é natural, pois não se pode manter alguém em servidão sem prejudicá-lo: não há no mundo nada mais contrário à natureza, completamente racional, que a injustiça. A liberdade é, portanto, natural. Por isso, a meu ver, não só nascemos com ela, mas também com a paixão para defendê-la” (Étienne de La Boétie).
Étienne de La Boétie nasceu em 1 de novembro de 1530 e morreu com apenas 32 anos em 18 de agosto de 1563.
O escritor perdeu seu pai, Antoine, muito cedo aos 10 anos e provavelmente sua mãe (esse dado histórico não pode ser totalmente confirmado) e passou a ser criado por um tio que também era seu padrinho. O tio assegurou uma boa educação ao sobrinho que estudou autores clássicos romanos e gregos. Na Universidade de Orléans, estudou Direito e ampliou seus interesses no estudo da Filosofia, História e Poesia.
Entre o grande número daqueles que se encontram próximos de reis maus, foram poucos, para não dizer nenhum, os que não experimentaram eles mesmos a crueldade do tirano, que antes estimularam contra outros” (Étienne de La Boétie).
Texto inspirado pelo professor Edson Passetti da PUC-SP, entusiasta da obra de La Boétie e quem me apresentou o autor há 20 anos.
Fonte usada: “Discurso da Servidão Voluntária”, Étienne de La Boétie, Editora Martin Claret.