por Fernando do Valle
O poeta e jornalista Emílio de Menezes vivia durango e para sobreviver vendia entradas de suas próprias conferências nos bares que frequentava, com isso garantia sua dieta de glutão que continha até aipos e beterrabas crus que mastigava com frequência. Mas nem só de aipos e beterrabas era fornida a enorme pança de Emílio. Ele adorava bater ponto nas mesas de botecos e confeitarias do centro do Rio no início do século passado. Antes de dormir, era sagrado arrematar sua comilança com meia dúzia de ovos cozidos.
Certa vez, enrolou um alemão dono de uma birosca com o papo de que seu cachorro tinha muita fome e ele precisa levar um pouco de comida para casa. Pediu salame e rosbife. Ao lado dos dois, um enorme pote de picles. O poeta pediu também dois picles. O alemão se enfureceu: “desde quando cachorro come picles, Emílio”.
Emílio de Menezes nasceu em Curitiba, a 4 de julho de 1866, e faleceu no Rio de Janeiro, em 6 de junho de 1918.
Emílio de Menezes é daqueles personagens que a figura pública torna-se maior do que a obra. Conviveu com Oswald de Andrade, Bastos Tigre, Olavo Bilac e Barão de Itararé. Oswald admirava seu espírito iconoclasta, chegou a apresentá-lo ao futuro presidente Washington Luiz e tecia loas ao amigo: “posso afirmar sobre o caráter pessoal do poeta que não admitia patifaria mesmo de amor. E era iracundo nas suas críticas e investidas”. Oswald não era fã dos poemas de Emílio, mas em 1917 dedicou um volume da revista Pirralho, da qual foi editor, aos escritos do colega.
Talvez Emílio esperava ser lembrado por seus poemas parnasianos, mas o que ficou na lembrança da época foi sua enorme figura de rosto redondo e longos bigodes que se postava como parte da paisagem na frente da Confeitaria Colombo para ironizar a vida e a intelectualidade da época. “Emílio de Meneses satírico foi grande mestre; o lírico, salvo em três ou quatro sonetos, era empolado e oco”, diagnosticou Manuel Bandeira. Para falar a verdade, o que li dele não vale lá muito a pena perto do folclore criado sobre ele e sua verve. Como muitos poetas da época, Emílio de Menezes escreveu também poemas para campanhas políticas, como versos para o marechal Hermes da Fonseca (1855-1923), candidato à presidência em 1910.
Em uma pendenga com o historiador e diplomata Oliveira Lima, obeso como ele, escreveu: “atravancando a porta que ambiciona/ Não deixa entrar nem entra. É uma mania!/Dão-lhe por isso a alcunha brincalhona/De paravento da diplomacia….Eis em resumo essa figura estranha:/Tem mil léguas quadradas de vaidade/Por milímetro cúbico de banha.”
Mais uma: apertado para aliviar a bexiga, Emílio correu até um terreno baldio. Muito gordo, estava terminando de desafogar-se quando um menino grita: — Ih, eu vi seu negócio! Emílio recompõe-se, chama o pirralho e lhe dá uma moeda: — Tome, você merece! Há anos não o vejo…
Filho de outro poeta, Emílio Nunes Correia de Menezes, e de Maria Emília Correia de Menezes, era o único filho homem na família, ao lado de oito irmãs. Em certa época, já vivendo no Rio, Emílio ganhou boa grana especulando na bolsa, comprou carros de luxo e objetos de arte. Mas o dinheiro durou pouco e ele logo voltou aos bares e aos poemas. Monteiro Lobato também se rendeu à figura, após um encontro com o poeta, soltou: “Emílio tem a fama de ser o homem de mais espírito desse país. É o moto-contínuo da graça. Ri-me tanto que voltei para casa com os músculos faciais doloridos”.
“A grafonola deu uns estálos mysteriosos!… Estou com medo! Será a alma de Emílio!…” (Ventania, pseudônimo de Ignácio da Costa Ferreira, em O Perfeito Cozinheiro das Almas deste mundo).
Emílio foi eleito em 1914 para a Academia Brasileira de Letras. Segundo Oswald de Andrade, Machado de Assis foi contra a entrada de Emílio na Academia devido à sua conhecida fama de boêmio. Seu discurso de posse foi vetado por excesso de ironias e ele morreu sem assumir seu assento.
A vida boêmia trouxe problemas de saúde e por ironia Emílio morreu magro aos 52 anos, mas não perdeu a piada: “estou apenas enganando os vermes, eles esperam mais de cem quilos de banha, e estou levando ossos duros de roer”.