por Elaine Tavares
As Jornadas Bolivarianas, em sua 13° edição, aconteceram entre os dias 15 e 17 de maio na Universidade Federal de Santa Catarina e discutiram a educação na América Latina, celebrando os 100 anos da Reforma de Córdoba, movimento estudantil universitário que mudou a cara do ensino superior em todo o continente. Naqueles dias de 1918, um ano depois da grande revolução russa, o mundo estava em polvorosa e, na Argentina, um grupo de estudantes decidiu que ali também haveria de ter mudanças. Articulados e em luta eles ousaram propor uma nova universidade, democrática, autônoma, popular. O ideário dos estudantes de Córdoba nunca se cumpriu de todo, mas muitas mudanças aconteceram, dando novos contornos ao mundo universitário. Agora, passados 100 anos, fica cada vez mais claro que para mudar a educação é preciso mudar antes, o modo de produção. No capitalismo, o máximo que se pode ter, são algumas reformas. Para que venha o “homem novo” há que vir também a nova sociedade.
Durante os três dias das Jornadas, esse foi o debate. A construção de outra sociedade, baseada em outros modelos de produção. No sistema capitalista a educação sempre será um braço ideológico constituído para manter as coisas como estão. Vista como um produto, pronta para ser vendida pelo melhor preço, a educação se apresenta cindida. É uma para a classe dominante e outra para os trabalhadores. Não é sem razão que, no Brasil, essa área do conhecimento vem sendo golpeada sem trégua. As propostas de “reestruturação” do ensino nos estados e também em nível nacional aprofundam essa já abissal distância entre o que é ensinado nas escolas privadas e o que se ensina na escola pública.
A última contrarreforma do ensino médio, levada a cabo pelo governo de Michel Temer, é um bom exemplo. Aos filhos dos trabalhadores se oferece apenas o mínimo, o conhecimento suficiente para que possam se mover nos espaços de trabalho. A eles não interessa ensinar filosofia, sociologia, artes. Isso fica para os filhos dos ricos, os que dominarão a política e o estado. Esse processo de desmonte da escola pública não é um fenômeno brasileiro, ela acontece em toda a América Latina, ainda que alguns países como Bolívia e Venezuela venham tentando implementar mudanças que mudem esse quadro. Coisa que acaba não sendo fácil. Na Bolívia, porque tem sido necessário recuperar séculos de abandono e na Venezuela porque os ataques do império tem sido ininterruptos, levando o governo a gastar muito mais energia na defesa do processo bolivariano do que nas reformas necessárias. Ainda assim algumas mudanças acontecem e tanto um país como o outro já logrou acabar com o analfabetismo.
Cuba é, sem dúvida, o país que mais avanços tem no campo educativo. Lá, o analfabetismo já estava erradicado quatro anos depois do triunfo da revolução. Isso foi uma prioridade do governo. Depois, vencida essa primeira grande batalha, toda a proposta educativa foi reestruturada. A gratuidade é garantida em todos os níveis, pois a educação não é vista como mercadoria ou como gasto. É investimento e é direito. Não é sem razão que os cubanos tenham sobrevivido a mais de 50 anos de bloqueio. Também é conhecida a excelência da pequena ilha do Caribe no campo da ciência, com avanços significativos na luta contra doenças como o vitiligo e o câncer de pulmão, entre outras. Cuba é o exemplo mais concreto de que é a mudança do modelo de sistema que proporciona a mudança na educação. Sendo um país socialista, e não submetendo a educação às leis do mercado capitalista, Cuba garante aos seus habitantes conhecimentos e cultura. Todos podem estudar e todos têm a mesma qualidade.
Já no mundo capitalista o conhecimento fica concentrado nos países centrais. Por isso que os países periféricos são meros consumidores de tecnologia e escravos do pagamento de royalties. Os dados revelados pelo economista Diógenes Moura Breda são assustadores. Dez países concentram 97% dos gastos com pesquisa no mundo, que somam 1,7 trilhão de dólares. Os Estados Unidos têm o maior gasto: 460 bilhões de dólares, enquanto o Brasil gasta apenas 20 bilhões. É nada. No registro de patentes também a diferença é imensa. Enquanto os EUA fazem 56 mil pedidos de patentes em um ano, o Brasil faz apenas 568 pedidos.
No geral, as pessoas não se dão conta de que toda a tecnologia e o conhecimento do qual fazem uso não é de graça. O preço a pagar é bem alto, não apenas para o bolso, mas também para a massa produtiva da nação. O Brasil paga, por ano, mais de 26 bilhões de dólares em royalties e licenças de uso, além de estar diminuindo sistematicamente o seu parque industrial. No meio disso tudo, os países centrais seguem concentrando os cérebros, amealhando gente de todo o mundo para produzir ciência e patentes. Já os países que seguem na dependência econômica e tecnológica, além de perderem seus cientistas, só podem se contentar com alguma inovação. É a miséria científica. Assim, o capital vai se apropriando do conhecimento e limitando os avanços da ciência aos seus interesses.
Diante desse quadro, que educação pode resistir ao monopólio do conhecimento já definido pelos países centrais? Se o abismo é tão profundo como seguir discutindo apenas os pequenos problemas do sistema educacional?
A mensagem que ficou desses três dias de discussão foi clara: é fato que os educadores e todos aqueles que pensam a educação precisam se debruçar sobre os entraves conjunturais, os currículos, as metodologias, as proposta de ensino. Mas, se isso não estiver articulado com o debate sobre outro sistema de produção da vida, pouca mudança pode prover. Os países centrais, capitalistas, não abrirão mão do seu controle sobre a educação e a ciência e seguirão monopolizando o conhecimento apenas para seu benefício. Aos países dependentes só resta um caminho: o da soberania. E, para isso, precisam pensar um processo revolucionário que mude a vida, em bloco. É a única forma de virar o jogo e garantir com que todas as pessoas tenham acesso ao conhecimento e à ciência. Se não for assim, tudo aquilo que é socialmente produzido seguirá sendo apropriado por uma minoria.
Há um longo caminho para se percorrer na educação. Mas, por outro lado, é nessa via, no contato direto com as crianças, os adolescentes e os estudantes universitários, que se poderá gestar a mudança. A educação, como a política, tem de ser revolucionária. Apontar para a rebeldia e para a mudança.