O relator do processo de Dilma no TCU segue sendo um direitista convicto adepto das viradas de mesa. Ainda mais depois que seu nome apareceu na Operação Zelotes
por Antonio Lassance
O ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União, tem confessado reiteradas vezes seu casuísmo no julgamento das contas de Dilma Rousseff. Seu esforço nessa linha parece ter sido redobrado desde que seu nome apareceu interceptado pela Operação Zelotes, que apura o tráfico de influência que acobertou a sonegação fiscal de grandes empresas – um escândalo muito maior que o da Lava Jato.
Em sua mais recente entrevista, dada a um jornal de economia (Valor, 24/9/2015), o ministro, todo faceiro, fala em “fazer história” e, nitidamente, se coloca como alguém ávido por ser condecorado pela oposição.
Em meio às suas incontinências, e sempre falando em nome de todo o TCU, diz que o Tribunal proporá uma “mudança de postura” e que “o país tem que aproveitar este momento para dar uma virada”. A expressão “dar uma virada”, como se sabe, tem origem no velho e pavoroso hábito de se virar a mesa do carteado quando se está perdendo.
Se a metáfora usada por Nardes estiver mais para o futebol que para o pôquer, o interesse em “dar uma virada” tem cara de torcedor de um time que está atrás no placar ou perdeu a última partida – aquela de 2014. A expressão expõe que o voto do ministro está sendo feito sob medida para uma determinada torcida.
É bom aproveitar que o próprio Nardes levantou essa bola de “fazer história”, “dar uma virada”, e outras coisas mais, para lembrar qual foi sua trajetória. Vale esclarecer para que time ele torce, até porque o atual membro do TCU se comporta como se ainda fosse o candidato a vereador que iniciou a carreira política pelo partido da ditadura, a Arena, em 1973, um dos períodos mais duros do regime golpista instaurado em 1964.
De apoiador juramentado do regime da ditadura, Nardes depois ingressou, muito coerentemente, no PDS, o sucessor da Arena. Nos anos 1990, ainda seguindo uma trajetória retilínea, foi, pelas mãos de Paulo Maluf, para o Partido Progressista Renovador, sigla que depois virou PPB e, finalmente, PP, o partido com o maior número de enrolados na Lava Jato.
Foram os laços de Nardes com o PP de Maluf e de Severino Cavalcanti que o “qualificaram”, com o perdão da má palavra, para ocupar vaga no TCU e cumprir o papel que hoje desempenha. Ele acabou eleito para o TCU por obra e graça da “Severinada” do Congresso – a rebelião que juntou o PP, do então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, com a oposição. É uma composição nada estranha ao gaúcho Nardes, pois, no Rio Grande do Sul, PT e PP são inimigos figadais.
O relator do processo de Dilma no TCU segue sendo o que sempre foi: um direitista convicto, adepto das viradas de mesa. Está pronto e satisfeito com a chance de condenar alguém que, desde os “áureos” tempos de sua querida ditadura, estava em campo oposto, fadada a ser sua eterna inimiga. Dilma é um prato frio que o ministro saboreia e refestela-se com êxtase.
Os demais ministros do TCU estão diante de um dilema entre corporativismo e história; ou, dito de outra maneira, do dilema de pensar que estão entre as quatro paredes do TCU ou de reconhecerem que Nardes os colocou na armadilha de uma encruzilhada. Ou eles enxergam Nardes apenas como um de seus pares, em que fica feio se contrapor ao voto de um colega, ou se diferenciam e se esquivam de ter em seu currículo algo que os ligue a essa tentativa de virada de mesa ou, para usar uma expressão infame, de “golpe constitucional”.
Publicado originalmente na Agência Carta Maior.