“Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”
NO CAMINHO COM MAIAKÓVSK – Esse conhecido poema faz parte do longo poema “No caminho com Maiakóvski” (1968) do brasileiro Eduardo Alves da Costa. Muito citado por integrantes da resistência ao regime militar, o poema foi atribuído ao poeta russo Vladimir Maiakóvski (1893-1930).
Ironicamente, o poema popularizou-se não só no Brasil e pode ser considerado um dos poemas brasileiros mais conhecidos no mundo. O que infelizmente não colaborou para tornar mais conhecidos os livros de Costa. Ele já publicou quatro livros de poesia, três de contos, quatro romances e cinco peças de teatro. Aos 78 anos, o escritor vive hoje na pequena Picinguaba, litoral norte de São Paulo, e acaba de publicar o romance Tango, com violino.
A confusão sobre a autoria do poema começou na epígrafe de um dos livros do escritor Roberto Freire, que foi o primeiro a creditá-lo a Maiakóvski. Mais tarde, a autoria também foi atribuída a Gabriel García Márquez, Bertolt Brecht e Wilhelm Reich. O poema estampou as camisetas amarelas da campanha pelas Diretas Já nos anos 80 e circulou em correntes de e-mails nos anos 90.
Na novela Mulheres Apaixonadas, o autor Manoel Carlos incluiu o poema na fala de um de seus personagens e deu o crédito correto a Eduardo Alves da Costa. Uma crítica de TV cobrou do autor de novelas que corrigisse o “erro”. Carlos foi além e criou outro diálogo contando a história da autoria equivocada do poema. O episódio serviu para a Geração Editorial reeditar o livro de poemas “No caminho de Maiakóvski”, que em 2003 (ano em que a novela foi exibida) estava há 15 anos fora das livrarias.
Poema NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKI completo:
Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.
Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na Segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.
Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne a aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.
Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.
E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita – MENTIRA!