por Albenísio Fonseca
Filhos de casais separados ou de mães solteiras como chefes de famílias, boa parte dos jovens brasileiros são verdadeiros rebeldes sem causa ou, paradoxalmente, cheios delas. Esta juventude – e considere-se aqui uma faixa etária entre 15 e 27 anos – foi tolhida em algumas das suas mais vitais capacidades para oferecer contribuições eficazes, seja na resolução de suas vidas, seja no próprio desenvolvimento da sociedade brasileira.
Embora “ser jovem”, diferentemente da adolescência (dos 12 aos 18 anos), refira-se a um período não necessariamente delimitado pela idade, trata-se de grupo geracional no qual estão inseridos valores bem próprios, mas que compreende outros fatores relacionados a intensas transformações biológicas, psicológicas, sociais e culturais, que variam de acordo com as diferentes classes sociais, culturas, épocas, etnias, gênero, dentre outros determinantes.
Nascida em meio a crises econômicas, sob o signo da Internet e de uma “Constituição Cidadã”, essa geração tem como parâmetro em termos comportamentais certa indignação, mas vive em uma distância abismal entre a representação ideal da juventude e as diversas realidades em que se encontra a maioria dos jovens do Brasil. É visível – como se diria de saltar aos olhos – o quanto para os jovens negros e pobres resta o estigma da marginalidade e associação à violência e criminalidade. Para os demais, prevalece certa ótica progressista, embasada na ilusória liberdade individual.
Seguem com direito às políticas de cotas, ao extraordinário acervo de informações do repertório global da humanidade, mas é fascinada apenas pelos tipos moldados pelo sistema cíclico da moda e da mídia. Como seres emblemáticos da Civilização da imagem, odeiam a leitura.
Há perguntas sem respostas imediatas: Os tempos de mudança estariam de volta, quer a história repita-se (como farsa, tragédia) ou não? Há uma nova onda reativando as cabeças, redimensionando as aptidões? O certo é que, para a maioria dos que transitam nessa geração, quase não há mais tempo para reflexão e sim para respostas na ponta da língua, ainda que não percebam o quanto entrar na vida é ter que dar respostas ao fato de estarmos inseridos num gênero, numa cultura, numa classe social, num regime político e determinado sistema econômico. E a crise, cultural antes de ser política, mais pessoal que do campo das ideias, mantém-se como inescapável expressão das individualidades.
O sistema fascina seus olhos, narinas e bocas com a glamourosa tentação de que se adapta aos seus desejos, quando na realidade são todos os seus desejos que se adaptam perfeitamente aos ditames das regras sociais, à voracidade do capitalismo e seu apetite de avestruz. Sim, fazendo-os ingerir a Coca-Cola com casco e tudo no burburinho dos fast foods.
A juventude made in Brazil, tende a encarar a existência muito mais como “suporte” do que como linguagem desde a primeira década do século 21. Corações e mentes tatuados em invólucros de games, celulares, amizades via redes sociais, no cuidado excessivo com a aparência e sob o desejo de replicar tudo o que seja sucesso, seguem pelos “shoppings” preocupados com o que transcorre nas novelas da vida de personalidades estampadas na mídia.
Nesse jogo de espelhos, não é tanto a busca de identidade quanto a de uma imagem o que os jovens pretendem discernir, na superfície áspera da sociedade de consumo com seus dedos pegajosos. Poucos buscam investir na tarefa de suscitar a si próprios enquanto experimentação social. Assim, a velocidade da modernização econômica e a ênfase no imediatismo têm gerado o que se pode supor como um novo conteúdo para a representação social da experiência de “ser jovem”.
A questão da juventude será sempre um tema em evidência. Mais que um blábláblá, o que permanece em toda polêmica sobre o tema é uma ira quase incontível. Sim, em meio à dificuldade de esboçar um raciocínio, formular pensamentos lógicos e escrever com sintaxe e semântica corretos, tampouco demonstram buscar qualquer sentido para a existência além de um exibicionismo qualquer ditado pela indústria cultural. Como se disséssemos sobre objetos mais do que sobre sujeitos em uma sociedade de consumo ostentatória.
Longe das escolas, as primeiras hordas lotam as ruas e casas de recolhimento. A violência, as drogas, a falta de empregos e de políticas públicas, um ensino caótico, são obstáculos a serem transpostos. Que as propostas de retomar o debate sobre a condição da juventude, seja em Salvador ou qualquer outra cidade brasileira, sejam bem mais que um retoque no batom ou um filete de sangue a escorrer das esquinas das nossas faces.
Publicado originalmente no Blog do Albenísio.