A dúvida põe em evidência uma das mais radicais transformações pelas quais passam o jornalismo, a indústria da informação e o conjunto de leitores, telespectadores e ouvintes consumidores de notícias. Assistimos a passagem de uma era da informação produzida para as pessoas para outra onde a notícia resulta de uma colaboração entre jornalistas e o público.
Há mais de três séculos predomina no jornalismo profissional a preocupação em produzir notícias para o público leitor que se posicionava diante do que lhe era oferecido como sendo relevante. A imprensa parte, até agora, do pressuposto de que ela sabe o que é importante para os cidadãos. Esta estratégia tinha como base limitações tecnológicas que forçavam o público a interagir com os jornalistas apenas pelas cartas do leitor, publicadas em espaços reduzidos e selecionadas por editores.
Mas o surgimento da internet e do processo de digitalização criou uma nova realidade, onde o jornalismo praticado com a participação das pessoas passou a ser, não apenas possível, mas indispensável. Trata-se de uma mudança radical nos comportamentos tanto dos profissionais, como dos donos de empresas jornalísticas e do público consumidor de notícias. Os jornalistas perderam a exclusividade na produção e disseminação de notícias enquanto as empresas vivem a crise de seu modelo de negócios e porque a indústria da comunicação jornalística deixou de ser altamente rentável.
Por sua parte, o público consumidor de notícias está tendo que alterar o seu comportamento passivo, pois a sobrevivência de jornais, emissoras de rádio, telejornais e páginas noticiosas na Web passou a depender da participação de leitores, ouvintes, telespectadores e internautas no processo de produção e disseminação de notícias. As pessoas passaram ter que assumir responsabilidade pela veiculação, no Facebook, Twitter, YouTube ou Instagram, de notícias falsas, rumores, meias verdades ou mensagens de ódio.
O exercício do jornalismo com o público envolve o desenvolvimento de um novo tipo de relação entre repórteres, editores e comentaristas com as pessoas comuns. Já não se trata mais de publicar fatos, dados e eventos ignorados pelo público, mas de oferecer aos leitores, ouvintes, telespectadores e internautas os elementos para que eles possam tomar decisões. A principal diferença entre o jornalismo na era analógico/industrial e agora, na era digital, é que antes a imprensa geralmente oferecia ao público duas opções (a favor ou contra), enquanto que agora a oferta envolve uma multiplicidade de opções fruto da variedade de percepções e opiniões publicadas em redes sociais, páginas web, blogs e fóruns online.
O patrulhamento por leitores
Talvez a mais significativa das mudanças em curso na atividade dos profissionais do jornalismo é a de que eles já não são mais os “cães de guarda” encarregados de patrulhar políticos, governantes e funcionários públicos. Hoje, é o público que começa a exercer esta vigilância cívica porque as pessoas, sendo mais numerosas e tendo mais acesso à informação passaram a fornecer aos jornalistas a maior parte das denúncias sobre erros e omissões de parlamentares, presidentes, governadores, prefeitos e magistrados.
Isto faz com que os jornalistas tenham que se preocupar agora não mais em buscar dados, fatos e eventos noticiáveis, mas em priorizar a contextualização, verificação e detalhamento notícias trazidas pelas pessoas para adequar este material às necessidades e desejos da população. O jornalismo com o público inverte a lógica da atividade, quando é levado a atuar mais como assessor, curador ou orientador do público no manejo de notícias, em vez de ser o provedor exclusivo de insumos informativos para os cidadãos.
A avalancha informativa gerada pela internet e pela digitalização diminuiu consideravelmente a capacidade dos jornalistas produzirem “furos” noticiosos, mas em compensação aumentou enormemente a demanda do público por certificação de credibilidade e confiabilidade nas informações publicadas em redes sociais, páginas web e blogs pessoais. A principal preocupação das pessoas, no que tange à relação com o jornalismo, deixou de ser apenas saber o que está acontecendo para a ser a de eliminar dúvidas e incertezas sobre os fatos, dados e eventos que lhes são fornecidos como notícia.
Este é o contexto que promove a parceria entre repórteres, editores e os seus leitores, ouvintes e telespectadores.
Publicado originalmente na página MEDIUM de Carlos Castilho.