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Jornalismo e imprensa não são sinônimos

Para a maioria dos jornalistas, uma afirmação como esta soa como um paradoxo ou, no mínimo, uma heresia. Mas agora, na era do jornalismo digitalizado, ela corresponde a uma realidade que aos poucos começa a se tornar mais clara. A principal consequência da diferenciação entre jornalismo e imprensa está na separação entre produção de notícias (uma profissão) e a comercialização da notícia (um negócio chamado imprensa), duas atividades com natureza e objetivos distintos.

Até agora, a produção e o negócio se confundiam porque a veiculação de notícias dependia de estruturas, tecnologias e organizações cuja existência e desenvolvimento apoiava-se em investimentos financeiros. As empresas se apropriaram do conceito de jornalismo logrando com isto minimizar o lado comercial da sua atividade. Com isto surgiu um discurso corporativo que usa valores jornalísticos como objetividade, independência, imparcialidade, isenção e liberdade de informação para encobrir a elitização informativa e o atrelamento do noticiário aos interesses empresariais. O direito à liberdade de informação acabou se confundindo com o conceito de liberdade empresarial, embora ambos sejam conceitualmente distintos.

O jornalismo na era digital deu aos profissionais e praticantes de atos jornalísticos (também conhecidos como jornalistas amadores) a possibilidade de publicar notícias sem necessidade de grandes investimentos, como mostram fenômenos como blogs pessoais, redes sociais virtuais e mais recentemente as newsletters independentes disponibilizadas através de assinaturas pagas. É uma revolução editorial ainda em desenvolvimento e que tem um pé no passado e outro no futuro da produção noticiosa. Mas seu principal mérito atual é o de permitir clarear a confusão entre o que é produzir notícias e o que é comercializá-las.

A produção de notícias jornalísticas tem como objetivo primário fornecer às pessoas dados, fatos, eventos e ideias devidamente contextualizados por meio da agregação de significados como relevância, pertinência, exatidão, confiabilidade e atualidade, visando contribuir para o desenvolvimento integral de pessoas e comunidades de pessoas. O jornalismo, obviamente, necessita de meios para materializar este objetivo como imprimir em papel, transmitir por áudio ou imagens, ou ainda por meio da digitalização.

jornalismo digital

A mimetização jornalismo/imprensa

As empresas jornalísticas têm como objetivo gerar receitas financeiras capazes de cobrir as despesas operacionais, pagamento de salários e remuneração de investidores através de um sistema de produção industrial que usa como matéria prima as notícias produzidas por jornalistas profissionais e amadores. Fica claro, portanto, que jornalistas e empresários dependem um do outro para atingir seus objetivos específicos. Mas o que se perdeu com o tempo, é a diferença fundamental entre ambos. O jornalismo tem um objetivo social, enquanto as empresas visam um lucro repartido individualmente.

Os jornalistas precisam resgatar a caracterização fundamental de sua atividade para evitar que ela seja contaminada pela crise no modelo de negócios das empresas

Os jornalistas precisam estabelecer uma clara diferenciação entre a produção de notícias socialmente relevantes e a função empresarial para evitar serem atropelados pela crise que afeta o modelo de negócios das corporações jornalísticas. Os jornais, por exemplo, sofreram uma forte perda de publicidade para a internet, o que gerou enormes desequilíbrios na receita empresarial. Já o exercício do jornalismo enfrenta um dilema diferente, o desenvolvimento de uma nova monetização da produção de noticias, algo totalmente diferente a queda da lucratividade nas organizações da imprensa.

A crise das empresas é estrutural, ou seja, elas terão que achar outro modelo de negócios para sobreviver, enquanto a crise do jornalismo é conjuntural, pois trata-se da adaptação de um modo analógico de produzir notícias para um modo digital. O jornalismo continua o mesmo, só com novos procedimentos, regras e valores. Na medida em que ambas as partes logrem resolver os problemas criados pela digitalização informativa, surgirá um novo tipo de relacionamento que inevitavelmente terá como norma básica o o fim do mimetismo entre o jornalismo e a imprensa.

Publicado originalmente no Medium de Carlos Castilho.

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Jornalismo e imprensa não são sinônimos
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Para a maioria dos jornalistas, uma afirmação como esta soa como um paradoxo ou, no mínimo, uma heresia. Mas agora, na era do jornalismo digitalizado, ela corresponde a uma realidade que aos poucos começa a se tornar mais clara. A principal consequência da diferenciação entre jornalismo e imprensa está na separação entre produção de notícias (uma profissão) e a comercialização da notícia (um negócio chamado imprensa), duas atividades com natureza e objetivos distintos.
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