por Marceu Vieira
Como muitos amigos que se posicionaram no Twitter ou no Facebook, ou nas conversas da vida real no botequim, eu também não comemorei nem achei engraçada a cena do Garotinho se debatendo numa maca de hospital público, resistindo a entrar na ambulância rumo ao presídio Bangu 8, enquanto a filha Clarissa, desesperada, gritava: “Meu pai não é bandido! Meu pai não é bandido!”
O que eu senti foi tristeza. Senti também, confesso, um certo temor pela normalidade institucional destes trópicos, que andam tão tristes, com o desemprego deixando sem renda e sem sustento quase 13 milhões de famílias.
Esta terra adorada, pátria amada, idolatrada, salve, salve, onde ainda me sinto responsável pelo futuro de três filhos e de uma “linda Rosa juvenil”, cujo nascimento está previsto pra 2017. O que será 2017?
Garotinho, ao contrário do Cabral Filho, não enriqueceu na política e teve emprego formal antes do seu primeiro mandato como vereador de Campos. Foi preso agora porque distribuiu cheque-cidadão a miseráveis em troca de voto. Mas já poderia ter ido pra cadeia antes.
Porque, desde a primeira eleição pra vereador de Campos, quando era radialista, é assim que ele opera. Dava dentaduras e cadeiras de rodas em troca de voto. Quem não sabe disso? Talvez só a Rosa, que ainda não nasceu.
Se desde Cabral, não o político, mas o navegante, os valores universais de Justiça fossem tomados à risca no Brasil, é possível que não houvesse cadeia suficiente pra prender tanto político desonesto. Aliás, Cabral nem eleito teria sido – agora não o navegante, mas o político mesmo.
Em Brasília, talvez não houvesse tantos camburões pra conduzir do Congresso Nacional até a prisão todos os deputados e senadores com contenciosos na Justiça. Nem vaga de estacionamento bastante haveria no entorno da Câmara e do Senado pra tanta viatura da Polícia Federal.
Por que não se prendeu o Garotinho já na sua primeira campanha, se trocar voto por esmola sempre foi a prática de políticos miúdos como ele?
Por que não se prendeu antes o graúdo Cabral, se até a vendedora da joalheria onde o empreiteiro Cavendish comprou o anel de R$ 800 mil pra primeira-dama e até os operários que demoliram e reconstruíram o Maracanã, o nosso Maracanã, já sabiam das suas “tenebrosas transações” (com a licença do Chico Buarque)?
Por que se demorou tanto pra prender o Eduardo Cunha?
Talvez a Dilma não caísse, e o Brasil só estaria ruim, como já estava, e não insondável como agora.
Movido por sua pequenez vingativa, e pra satisfazer a histeria de uma elite apodrecida e de uma classe média ressentida e egoísta, um deputado que hoje está preso pelos mais bárbaros crimes de corrupção jogou o Brasil nesta crise – ajudado, claro, pelas fanfarronices de alguns petistas.
Ele, o deputado, comandou um processo quase sumário de impeachment e pôs no lugar de uma presidente legitimamente eleita por 54,5 milhões de brasileiros, e até prova em contrário honesta, um vice sem recheio e sem voto e também com muitas explicações a dar à Justiça.
Este vice é do partido do deputado preso. É do partido do Cabral. Do partido que, até outro dia, era também o do Garotinho – que, aliás, não faz muito, era amigo de todos eles. Sobretudo, do deputado preso.
Este partido, se ainda não é possível ligar o nome à pessoa, é o PMDB – e é nele que, segundo a papelada do próprio juiz Moro, está o ninho principal dos cupins demolidores do Brasil.
E, assim, desde Cabral (mais uma vez o navegante, não o político), o país do Garotinho, do Eduardo Cunha, do Temer e do outro Cabral (agora de novo o político, não o descobridor), o país do PMDB, enfim, este país segue movido a golpes – o golpe genocida na identidade indígena, dizimada pelos colonizadores; o golpe na índole africana com a escravidão de sua gente, trazida pra cá acorrentada pra ser olhada até hoje de modo diferente pelos descendentes do branco europeu; o golpe de Pedro I ao dissolver a Assembleia Constituinte em 1824 e outorgar uma Constituição preparada por dez servos das vontades dele; o golpe civil da maioridade incauta de Pedro II, aos 14 de idade, em 1840; o golpe militar do marechal Deodoro, que derrubou o mesmo Pedro II, ali já idoso e democrata, ele, um carioca de nascimento arremessado ao exílio aos 64 anos, em 1889, quando se instalaram no Brasil as ditas e as desditas da república em vigor até hoje.
Os golpes contemporâneos, de lá pra cá, estão mais fixados na memória coletiva – e o último, aquele que pra uma metade do Brasil não foi, enquanto pra outra foi, este ainda está em curso e vai nos levar aonde já não sabemos.
O surto do Garotinho na ambulância e os gritos desesperados da filha dele não dão a resposta. Os milhões tungados e a falta de reação do Cabral, não o descobridor do Brasil, mas o quebrador do Rio, empanam a vista pro futuro.
Dá saudade, se é este mesmo o nome do sentimento, do que teria sido o Brasil sem o golpe original da República contra Pedro II. Dá saudade de sei lá. Dos discursos do Brizola, quem sabe. Da vitória do Lula em 2002. Da esperança que venceria o medo. Dos comícios de antigamente com o velho Prestes na Cinelândia – e antigamente foi outro dia.
Faz lembrar um quadro do programa “Tá no ar”, do Marcelo Adnet e do Marcius Melhem, em que o primeiro, caracterizado como Pedro I, cavalgando num descampado, para com seu cavalo ao encontrar o segundo, no papel daquele personagem do comercial dos Postos Ipiranga, e pergunta:
– Ô, amigo! Sabe onde eu posso declarar a Independência do Brasil por aqui?!
E o personagem do Melhem, depois de uma pausa, responde:
– Sei não… Mió cê perguntar ali nas margens do Ipiranga.
Publicado originalmente no Blog do Marceu Vieira.