Os destinos de muitas mulheres foram determinados pelos arbítrios do regime militar. Várias foram assassinadas, outras torturadas, muitas perderam seus filhos, maridos, parentes e amigos. Um dos símbolos dessa resistência nos anos de chumbo foi a militante Iara Iavelberg, vítima da ditadura militar aos 27 anos, em agosto de 1971.
De uma rica família judia do Ipiranga, Iara abandonou aos 19 anos seu casamento de três anos com Samuel Halberkon, médico da comunidade judaica paulistana, ingressou no curso de Psicologia da USP em 1963 e iniciou sua militância política. O Centro Acadêmico do curso leva o seu nome.
Iara militou em várias organizações que combatiam o regime militar: Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop), Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Na VPR, ela conheceu Carlos Lamarca em abril de 1969. Fazia dois meses que Lamarca havia desertado do Exército em posse de um verdadeiro arsenal de armas e munição para a guerrilha.
Leia texto sobre a morte do companheiro de Iara, Carlos Lamarca
Os dois apaixonaram-se e Lamarca separou-se de sua mulher na época: ele era casado e tinha dois filhos. Da VPR, Iara e Lamarca foram juntos para o MR-8. Clandestinos, estavam entre os mais procurados pela repressão política, com cartazes espalhados em diversos lugares.
O documentário ‘Em busca de Iara’
A sobrinha de Iara, Mariana Pamplona, ao lado de Flavio Frederico, resolveu contar a história da tia no documentário Em busca de Iara. O Exército sempre sustentou que Iara suicidou-se após o cerco policial em um apartamento no bairro da Pituba, em Salvador, no dia 20 de agosto de 1971. Hoje há provas suficientes de que foi mais uma mentira do regime militar e de que a militante foi assassinada por agentes do governo.
Segundo o site da Comissão da Verdade Rubens Paiva da Assembleia Legislativa de São Paulo, o legista que assinou o atestado de óbito colocou uma interrogação ao lado da palavra suicídio. A família teve que aceitar que a filha fosse enterrada na ala dos suicidas no Cemitério Israelita do Butantã, o que significava grande humilhação na comunidade judaica (as pessoas que morrem nessas condições são enterradas de costas e em locais isolados do cemitério).
Com denúncias reunidas e grande esforço dos familiares e amigos, a Justiça autorizou a exumação do corpo de Iara em 2003 e finalmente o laudo sobre sua morte confirmou seu assassinato.
Assista ao trailer do filme:
As cartas de amor entre Lamarca e Iara
Em 1970, Iara e Lamarca começaram treinamento militar no Vale do Ribeira e neste ano, em 7 de dezembro, Lamarca liderou o sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, no Rio de Janeiro, em troca da libertação de 70 presos políticos.
Em matéria da revista Istoé de 2007 sobre a troca de cartas entre Iara e Lamarca, o capitão da guerrilha mostra adoração pela sua mulher. Lamarca foi assassinado em 17 de setembro de 1971, menos de um mês depois da morte de Iara.
Ambos conviveram pouco, já que passaram 10 meses do curto relacionamento vivendo separados em aparelhos (locais usados como refúgio pela guerrilha), mas a paixão entre eles era arrebatadora.
Uma das testemunhas da intensidade do romance foi a guerrilheira Vanda, codinome da presidenta Dilma Rousseff. Ela declarou à revista Istoé: “eu e Lamarca lavamos muitos pratos juntos e era nessas horas que ele me fazia inconfidências sobre sua paixão por Iara.”
Leia dois trechos das cartas de Lamarca, no primeiro, ele demonstra paixão, no segundo, ciúmes:
“Quando estou longe de você, tudo muda. É outro mundo, falta aquele calor que só emana de você mesma – fico imaginando e me delicio com tua lembrança, toda viva, junto de mim.”
“Falei em abertura pelo seu lado (do meu não admito, nem existirá nunca condições) do nosso relacionamento – que é observado – e como última hipótese; pode ser um puta ciúme meu de existir alguém cumprindo a minha função.”
Outros detalhes da vida de Iara podem ser encontrados no livro Iara: uma reportagem biográfica, escrito pela jornalista Judith Patarra, lançado em 1992. O livro pode ser encontrado no site Estante Virtual.
A trajetória de Iara revela também outra história bem menos conhecida, a de Nilda Carvalho Cunha, de apenas 17 anos. Estudante secundarista, aderiu à organização clandestina MR-8 e foi viver com o namorado num apartamento na praia da Pituba, em Salvador.
Nilda recebeu ordens de abrigar a guerrilheira Iara Iavelberg e caiu no cerco a Iara. Levada para um quartel, foi brutalmente torturada durante dois meses. Assim que foi libertada, sentia tonturas, sofria com a perda de visão e dificuldades para respirar. Internada num hospital, passou a enfrentar depressões constantes. Às vezes, soltava risos inesperados. No seu prontuário, consta que não comia, via soldados dentro do quarto e repetia que iria morrer. Foram dez dias definhando. Em seu atestado de óbito, consta: “Edema cerebral a esclarecer.”
A sobrinha de Iara, Mariana Pamplona, explica o projeto do filme:
Vídeo da Comissão da Verdade sobre Iara:
Fontes: perfil de Iara Iavelberg no site da Comissão da Verdade Rubens Paiva e revista Istoé.