Henfil – O cartunista e jornalista Henfil foi quem chamou pela primeira vez o movimento pelas eleições diretas para presidente de Diretas Já. Henfil morreu em 4 de janeiro de 1988 e, infelizmente, não presenciou o brasileiro votar para presidente da República depois de quase três décadas, o que só aconteceu em 1989. Durante o período dos comícios das Diretas Já nos primeiros meses de 1984, Henfil publicou crônicas e algumas charges retratando a mobilização em sua coluna Cartas da mãe, publicadas na revista Istoé. Ele colaborou na publicação entre 1977 e 1984.
“Eu tento 24 horas por dia ser bom-caráter”, Henfil, que nasceu em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte, em 5 de fevereiro de 1944.
No carnaval de 1983, Henfil desembarcou em Alagoas para entrevistar Teotônio Vilela, que apesar de seu passado udenista, lutava por eleições diretas para presidente após anos e anos de regime de exceção. A longa entrevista foi publicada em três partes no Pasquim. Em 1984, Henfil publicou o livro Diretas Já! com textos e charges sobre o tema.Teotônio lutava contra um câncer e morreu em novembro de 1983 e não teve a chance de assistir a enorme mobilização popular das Diretas Já!
Henrique de Souza Filho, Henfil, criou uma ampla galeria de personagens como Cumprido e Baixim, Graúna, Bode Orelana, Capitão Zeferino. Publicou em diversos veículos de comunicação como Jornal do Brasil, O Globo, Jornal dos Sports e na já citada Istoé. Em 1972, lançou a revista Fradim, pela editora Codecri, que reunia sua produção. Mas foi no Pasquim que o trabalho de Henfil encontrou seu habitat natural.
O professor e jornalista Dênis de Moraes escreveu O rebelde do traço, biografia sobre Henfil, lançada em 1996. No prefácio, o jornalista Jânio de Freitas ressalta que, entre Henfil e Pasquim, houve a junção das forças demolidoras do sarcasmo e da ironia para “oxigenar as mentes oprimidas pelo pesadelo diuturno da boçalidade ditatorial”.
LEIA TEXTO SOBRE OUTRO COLABORADOR DO PASQUIM, O JORNALISTA FAUSTO WOLFF
Hemofilia e trabalho incessante
Hemofílico, Henfil foi criado em ambiente difícil: seu irmão mais velho, José Maria, sangrou até morrer com apenas 2 anos e 2 meses e todos seus irmãos sofreram com a hemofilia. Assim como Henfil, que morreu de AIDS devido a uma transfusão de sangue com apenas 43 anos, o vírus do HIV também vitimou seus dois irmãos Herbert José, o conhecido sociólogo Betinho, e o caçula, o músico Chico Mário.
O documentário Três Irmãos de Sangue, de Ângela Patrícia Reiniger trata da trajetória dos três irmãos e ouviu figuras como Ziraldo, Jaguar, Frei Betto e muitos outros. Vale assistir:
Sobre sua infância, Henfil lembrou: “andar era uma tarefa para profissionais, o mesmo preparo que o Nelson Piquet tem para pilotar eu tinha que ter para andar, não podia falhar”.
Betinho liderou a campanha Ação da Cidadania em 1993, que mobilizou o país em busca de soluções para as questões da fome e miséria. Herbert foi imortalizado na música O Bêbado e o Equilibrista, de Aldir Blanc e João Bosco, conhecida pela voz de Elis Regina. Para quem não lembra, a letra diz: “meu Brasil!… Que sonha com a volta do irmão do Henfil. Com tanta gente que partiu. Num rabo de foguete”. A gravação da música por Elis foi considerada por muitos uma bandeira branca de Elis para Henfil, que tinha criticado duramente, em charge do personagem Cabocô mamadô, a cantora por sua participação na abertura da Olimpíada do Exército, em 1972. Em charge de Cabocô, Elis regia o coral dos mortos-vivos composto por Roberto Carlos, Tarcísio Meira, Pelé, entre outros. Elis reclamou da intolerância de Henfil que reagiu com mais ácidas charges.
“Os meus colegas, na sua maioria, optaram pela escola, ou seja, pela imitação, pela falsificação, eles se camuflaram de gente comum, de gente igual a todo mundo. Eu não consegui, como alguns outros, principalmente os mais pobres, que também não conseguiram”, Henfil
Henfil trabalhava tanto que chegou a ficar curvado devido às intermináveis horas que passava em sua mesa de trabalho. Em entrevista ao Pasquim, chegou a dizer: “eu não tô reclamando do trabalho, porque o trabalho me traz felicidade … O meu trabalho era excessivo, eu trabalhava em 10 lugares”.
É impossível não imaginar como seria o blog do Henfil. Sem dúvida, seu trabalho que misturava crônica, charge, ironia e agilidade combinaria, e muito, com o espaço livre para a comunicação na internet. Em recente entrevista à revista Carta Capital, seu filho, Ivan Consenza, que preserva parte do acervo do desenhista, afirmou: “sempre que imagino meu pai no mundo de hoje, vejo-o como um dos primeiros blogueiros possíveis. Isto porque ele tinha necessidade extrema de comunicação, exauria-se em responder de próprio punho toda e qualquer carta de leitor”.
Além disso, Henfil sempre teve consciência de seu talento e queria divulgar seu trabalho além do Brasil, o que a internet poderia colaborar hoje. Com esse pensamento de ser reconhecido na gringa, Henfil embarcou para Nova Iorque, superando seu pânico de avião. Ele explica os motivos de sua viagem em entrevista ao Pasquim: “quero levar meu know-how ideológico pro mundo inteiro. Eu tenho uma outra pretensão. Não tenho pretensão de ganhar dinheiro, a não ser para facilitar meu trabalho. Eu não tenho pretensão de ganhar fama e sucesso, inclusive porque no meu tipo de agressividade a fama é ruim, porque eu posso ser agredido ao ser reconhecido”.
“Quero lutar por uma coisa babacamente chamada babacamente de redenção dos povos. Vivo e respiro luta de classes”, Henfil
Sobre a experiência de viver nos Estados Unidos, Henfil escreveu o livro Diário de um Cucaracha (1983). Passou uma temporada também na China e escreveu Henfil na China, antes da Coca-Cola (1984). O seu primeiro livro foi Hiroshima, meu Humor, de 1976. Atrás do prefácio de Millôr Fernandes para seu primeiro livro, Henfil embarcou de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro. Millôr lhe deu o cano. Na mesma entrevista ao Pasquim, Henfil conta que ficou três dias atrás do Millôr: “lá em Belo Horizonte, todos os meus amigos estavam me esperando (com o prefácio). Daí eu cheguei com uma prefácio do Millôr de um cara, que o Millôr tinha feito; e eu arranquei, bati à máquina como se fosse pro meu. Troquei o nome e todo mundo ficou feliz”. Millôr rebate: “atenção, humoristas novos do Brasil, de hoje em diante escreverei todos os prefácios de todas as pessoas que me pedirem!”
“O Lula é um intelectual que foi capaz de fundar um partido e é um guia hoje, uma vanguarda no pensamento político brasileiro muito maior do que qualquer Fernando Henrique Cardoso, que é chamado de intelectual. A antevisão do Lula é muito maior”(Henfil, em entrevista a Neusa Pinheiro, realizada em 1983, e publicado na edição 59, de fevereiro de 2002 da revista Caros Amigos).
Fonte: livro Diário de um Cucaracha, de Henfil (editora Record) e Rebelde do Traço, de Dênis de Moraes, e revistas Caros Amigos e Carta Capital.