por Guilherme Scalzilli
O país assiste passivamente à consumação do golpe parlamentar contra Dilma Rousseff. As audiências no Senado se transformaram em farsa legitimadora do processo, repetindo a eleição indireta que alavancou o regime militar de 1964. Antes e agora com aval do STF, da mídia corporativa e do empresariado.
Se algo desautoriza esse paralelo, não é a falta de arbítrio no caso atual. Abusando de suas prerrogativas e agindo em sintonia com a agenda do impeachment, o comando da operação Lava Jato sabotou cada esboço de resistência petista no Congresso. As gravações ilegais que antecederam o processo na Câmara e o indiciamento de Lula às vésperas da decisão no Senado dispensam comentários.
O tal “juízo político” dos senadores se resumiu a negociatas promovidas pelo banditismo interino. Grupos sem respaldo popular tomaram o governo de assalto e garantiram, no interior da máquina, que a invasão ficasse irreversível. E, pior, com estratagemas bem piores do que as manobras contábeis usadas contra Dilma.
É possível que Ricardo Lewandowski, não sem algum cinismo, cobre dos parlamentares a convicção nos crimes alegados. Mas ninguém ali se preocupa com a ilegalidade do golpe, nem com as inúmeras denúncias de acadêmicos, jornalistas, juristas e autoridades políticas do Brasil e do exterior.
Eis o ponto central: Dilma será julgada por pessoas indiferentes aos méritos jurídicos do processo. Qualquer acusação formal a derrubaria. As patéticas alegações dos senadores favoráveis ao impeachment revelam que eles ignoram até a base técnica do tal “crime de responsabilidade”.
Da mesma forma, os defensores do arbítrio na mídia passaram a falar em “fracasso” do governo Dilma, como se fosse motivo constitucional para derrubá-lo. Não é. Fazendo apologia de uma inconstitucionalidade, esses analistas escancaram a própria natureza antidemocrática de sua defesa do impeachment.
A previsível supervalorização da derrota de Dilma servirá como atestado simbólico de culpa, suprindo a falta de provas e fundamentos legais do veredito. Mas não deixa de ser sintomática a identificação do desmoralizado Congresso Nacional com a ideia de justiça que fundamenta o golpe.