Vivi na Venezuela 6 dos melhores anos de minha vida. Já se passaram mais de 25 anos e lembro que abastecia-se o carro com moedas e o câmbio era imutável, um dólar sempre valiam 4 bolívares e 30 centavos. Apesar de muita vontade, nunca mais voltei. Amigos que ficaram por lá descreviam Chávez pelo lado folclórico. Cheguei a ouvir que o líder venezuelano reservava lugar à mesa do jantar para Simón Bolívar. Sempre duvidei desses causos.
A Venezuela era um país desigual de gente alegre que adorava celebrar (centenas de latinhas vazias de cerveja ocupavam o acostamento das rodovias) e dançar uma salsa. Quando voltava ao Brasil, me perguntavam das lindas misses. Só as via em revistas também.
Chávez foi hábil em batizar seu governo de ‘república bolivariana’, os venezuelanos idolatram el libertador Simón Bolívar. Na minha cabeça de pré-adolescente, não entendia a figura de um popstar histórico com cadeira cativa na televisão a todo momento: seu nascimento, sua morte, o dia da independência, o dia de tal batalha vencida. Só faltava o dia da primeira comunhão e o da primeira obturação. A veneração por Bolívar assemelha-se a adoração do povo por Chávez.
Mesmo seus detratores não podem negar que não faltava carisma a Chávez. Seus comícios teatrais perante às massas sempre renderam momentos impagáveis. Separei dois da vasta galeria:
– Alca Al carajo.
– “Hechemos a Bush” com Maradona.
Chávez também estimulou a autoestima pelo caminho do patriotismo. Os venezuelanos sempre foram muito patriotas e apaixonados por discussões políticas. Porém, um assunto sempre machucava corações e mentes. Era só falar do próximo Grande Irmão do Norte que eles se apequenavam.
Sentiam-se extremamente oprimidos por Washington e a elite local sempre adotou o discurso “Miami es mucho mejor que acá” e nunca aceitou a ideia de dividir, um pouco que fosse, os bilhões dos petrodólares. Discursos como ‘Hechemos a Bush’ lavavam a alma do povo e exorcizavam o desrespeito dos gringos por eles (não só com eles).
O discurso reacionário de que Chávez era uma espécie de bufão, um caudilho tresloucado é desmontado no documentário “A revolução não será televisionada” de Kim Bartley e Donnacha O’Briain (o título do documentário é uma homenagem ao poema musicado The Revolution Will Not Be Televised do músico e ativista norte-americano Gil Scott Heron).
O filme narra com enorme proximidade como Chávez, um presidente eleito sofre um golpe com auxílio da mídia em 2002 e reage com sensatez na luta para sua volta ao poder.
http://youtu.be/MTui69j4XvQ
O ódio uterino que a elite brasileira e seus vassalos da mídia grande sentem por Chávez nem Freud explica. Talvez uma tentativa de explicação venha de como Chávez escancara os problemas reais da América Latina ainda atrasada em muitos aspectos. Somos compostos por milhões de pobres e o jogo político não é um mar de rosas (dos dois lados).
Muito se falou desde a morte de Chávez que ele quebrou a Venezuela. Alguns dados econômicos não mostram isso: o PIB venezuelano foi triplicado, a relação dívida/PIB caiu de 60% para 25% e o índice de pobreza baixou de 48% para 27%.
* O título que nomeia o texto pertence à primeira estrofe do hino venezuelano que cantei com sono em muitas manhãs com direito ao hasteamento da bandeira.