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Gênio da raça foi o violonista Garoto

Inconformado fico com o desprezo por Garoto entre os fãs de música, venerar o francês Django Reinhardt ou o gringo Robert Johnson pode, mas Garoto, apelido de Aníbal Augusto Sardinha, um dos maiores violonistas do mundo, não pode. O motivo só pode ser esse tal complexo de colonizado. Django e Robert são também mestres e formam com Garoto um belo trio de violonistas/guitarristas geniais da música popular da primeira metade do século passado. Garoto é uma daquelas figuras que Glauber Rocha costumava chamar de gênio da raça, a raça é essa nossa, nova raça brasileira, criada por aqui, abaixo do Equador.

garoto violonista centenário
Garoto no alto do prédio do Banespa, na cidade de São Paulo, em 1954 (fonte: site Violão Brasileiro)

Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto, nasceu na cidade de São Paulo em 28 de junho de 1915. Ele morreu no Rio de Janeiro em 1955, quase dois meses antes de completar 40 anos.  

Com sua maneira de compor e interpretar o choro e o samba ao violão, Garoto deu um novo rumo à musica popular, apontando o caminho que alguns anos depois levaria à bossa nova. Garoto tocava bandolim, cavaquinho, violão tenor, guitarra havaiana, guitarra portuguesa e banjo. Com este último, destacou-se muito jovem, com apenas 11 anos, o que lhe rendeu o apelido de “O Moleque do Banjo”, que deu origem a alcunha pela qual ficou conhecido. O banjo lhe foi presenteado por seu irmão Batista, que também tocava o instrumento e era também violonista e cantor. Ainda criança, Garoto já trabalhava como ajudante numa loja de instrumentos no bairro do Brás, na cidade de São Paulo, para colaborar no sustento da casa.

Filho do casal de imigrantes portugueses Antônio Augusto Sardinha e Adosinda dos Anjos Sardinha, Aníbal foi o primeiro a nascer no Brasil. O pai tocava guitarra portuguesa e violão. O quinto dos sete filhos da família Sardinha, que residiu por um longo período na Avenida Tamanduateí, no bairro operário Vila Economizadora, era considerado por Tom Jobim um dos pioneiros e “peça importante” da Bossa Nova. O compositor e violonista paulistano participou de inúmeros encontros musicais com bossa-novistas como o próprio Tom, além de Billy Blanco, Dolores Duran, Johnny Alf, Sylvia Telles, entre outros. Tocou também com Pixinguinha, Luiz Gonzaga, Baden Powell, Dorival Caymmi e Ary Barroso. Tom compôs um choro em homenagem ao músico, Garoto, que foi lançado em 1959 por Bené Nunes.

O violonista Garoto (fonte: Rádio Batuta)

Inspirado em suas andanças pelos subúrbios cariocas, Garoto compôs, sem dúvida, sua música mais conhecida, Gente Humilde, por volta de 1945. Nos anos 60, após a morte do violonista, em 1955, a música recebeu letra de Vinícius de Moraes. A música tinha uma letra original que nunca foi gravada comercialmente. Em 1970, Gente Humilde foi gravada por Chico Buarque e Ângela Maria, além de muitos outros como Maria Bethânia, Taiguara, Renato Russo. Ouça a versão de Baden Powell para “Gente Humilde”:

Ainda adolescente, em 1930, Garoto já tocava banjo, bandolim e cavaquinho na Rádio Record como solista e no conjunto regional da emissora. Fez parceria também com o violonista Aymoré (José Alves da Silva) e tocou com Sylvio Caldas. Após tocar com vários músicos da época e tornar-se conhecido no ambiente musical de São Paulo e Rio de Janeiro, Garoto passou a comandar um programa próprio, o Garoto e seus instrumentos, na Rádio Cruzeiro do Sul em São Paulo por volta de 1938. Neste mesmo ano, acompanhou o cantor Moreira da Silva em cinco discos.

No final de 1938, Garoto vai trabalhar na Rádio Mayrink Veiga, no Rio, onde lidera o Conjunto Cordas Quentes. Por lá, ao lado de outro violonista que também não ocupa o lugar que merece na história da música brasileira, o paulista de Miracatu Laurindo Almeida, Garoto formou a dupla do rythmo sincopado. Laurindo foi viver em Los Angeles em 1950 e gravou muitos discos com a orquestra de Stan Kenton e foi também um dos pioneiros na divulgação da música brasileira nos Estados Unidos, em especial da bossa nova.

Em 1939, Garoto acompanha Carmen Miranda em turnê pelos Estados Unidos com o Bando da Lua. Os músicos norte-americanos se impressionam com o talento de Garoto e ele recebe o apelido de o Homem dos Dedos de Ouro do organista Jesse Crawford. Ao lado de Carmen e da banda Bando da Lua, apresenta-se na Casa Branca para o presidente Franklin Roosevelt.

Os violonistas Laurindo de Almeida e Garoto (fonte: Radio Batuta)

No retorno ao Brasil na Rádio Nacional, em 1942, Garoto ficou mais conhecido do grande público na orquestra comandada por Radamés Gnatalli no programa Um Milhão de Melodias, depois teve dois programas próprios: Garoto e seus Instrumentos e Garoto e Seus Solos.

Em 1945, Garoto liderou o programa Bossa Clube e Clube Bossa. Em 15 de junho de 1948, Garoto passa pelas rádios Guanabara e Tupi e retorna à Rádio Record e à Rádio Nacional, onde forma o Trio Surdina ao lado de Chiquinho no acordeão e Fafá Lemos no violino e voz, que fez sucesso à época no programa Noite de Estrelas, criado por Max Nunes e Paulo Gracindo.

Garoto (o primeiro à esquerda) e Carmen Miranda (fonte: UOL)

Uma música inusitada na carreira de Garoto foi composta quando ele leu o poema Tema e Variações de Manuel Bandeira. Daí saiu “Bandeira sambista” que foi apresentada em 1955, ano de sua morte de ataque cardíaco, quando preparava uma excursão à Europa.

– Tico-Tico no Fubá, de Zequinha de Abreu (1943):

 

– Tristezas de um violão :

– Lamentos do morro:

Fonte usada: Site Violão Brasileiro.

(atualizado em 20 de junho de 2016)

Taiguara livre e senhor de si

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