Marighella – Nesta quinta (dia 4 de novembro) estreia o aguardado filme Marighella, dirigido por Wagner Moura. O filme autobiográfico do inimigo número 1 da ditadura militar, apesar de ter sido aplaudido em pé no festival de cinema de Berlim em fevereiro de 2019, foi censurado pela Ancine (sua estreia foi cancelada pela agência em setembro de 2019 pela recusa da verba que possibilitaria a distribuição do longa), e assim penou uma via-crúcis de dois anos até sua exibição nas telonas brasileiras.
O filme já foi exibido inúmeras vezes em festivais de cinema nas cidades de Berlim, Seattle, Hong Kong, Sydney, Santiago, Havana, Istambul, Atenas, Estocolmo e Cairo.
A previsão da segunda data estreia ficou para novembro de 2019, mas segundo a Ancine, a produção do longa não cumpriu a tempo os trâmites para a liberação da verba que já havia sido usada e precisava ser ressarcida.
A estreia então foi adiada para maio de 2020, e depois para abril deste ano, por conta da pandemia. Já em agosto deste ano, o setor de análise técnica do órgão federal, encaminhou o lançamento comercial de Marighella para arquivamento.
Em ritmo frenético de lançamento, Wagner Moura tem sido entrevistado por vários veículos de comunicação. Em duas entrevistas, tanto no Roda Viva, da TV Cultura, na última segunda, e no podcast Lado B do Rio, ele afirmou que o governo federal se utilizou de trâmites burocráticos para censurar o filme.
Inspirado na obra “Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo” do jornalista Mário Magalhães, o filme traz a história de Carlos Marighella (interpretado por Seu Jorge) entre o início do período da ditadura até sua morte em novembro de 1969. Em entrevista ao Brasil de Fato , Moura conta que quis trazer o momento em que o militante decide entrar na luta armada.
O guerrilheiro ingressou no movimento estudantil aos 23 anos na Escola Politécnica da Bahia. Em 1937, foi preso e torturado por fazer oposição a Getúlio Vargas e depois de atuar por pouco tempo na clandestinidade, foi preso novamente, mas agora por seis anos.
Com o fim do Estado Novo em 1945, foi anistiado e, no mesmo ano, eleito deputado federal pelo PCB. O clima polarizado da guerra fria colocou o partido comunista na ilegalidade e Marighella perdeu seu mandato, voltando assim para a clandestinidade. Mas em 1967, após três anos do golpe militar, o baiano resolveu romper com o PCB, que não concordava com a luta armada, e fundou a Ação Libertadora Nacional (ALN).
Antes da escolha de Seu Jorge para interpretar Marighella, o cantor Mano Brown foi o primeiro cotado para o papel, o que não aconteceu pela agenda atribulada de shows dos Racionais MC’s, banda de Brown. Participam do filme também atores como Bruno Gagliasso como o delegado Lúcio, Luiz Carlos Vasconcellos dando vida ao militante Almir, Herson Capri interpretando o jornalista Jorge Salles, Adriana Esteves como Carla e a neta de Carlos e vereadora em Salvador Maria Marighella (entrevistada pelo Zonacurva).
A ANL foi inspirada na vitoriosa revolução cubana e na guerrilha anticolonial que lutou pela independência argelina, explica Magalhães em live no canal Tutaméia . O grupo rompeu com a hierarquia vertical e tradicional dos demais grupos militantes. Um exemplo disso foi o sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, em que os membros da ANL não avisaram Marighella da ação. Essa estrutura horizontal inspira até hoje movimentos atuais como o Passe Livre.
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Em entrevista ao Brasil de fato, Moura conta que Marighella tentou não entrar na luta armada, o militante foi congressista enquanto põde, esteve no PCB durante anos, mas para ele a resposta para mudar a realidade do Brasil naquele momento era a Aliança Libertadora Nacional. E completa que o filme vem para disputar narrativa com o governo, a história de que ditadura militar foi uma “revolução” não pode ser aceita e o longa vem para mostrar a realidade da época.
Já Magalhães comentou na live no canal Tutaméia que, a identidade de Bolsonaro com a ditadura militar não é da boca para fora ,e tem consequências concretas para o país. O revisionismo histórico do presidente enfraquece a memória e a luta de pessoas que deram suas vidas pela democracia. Além disso, confunde algumas pessoas quando propaga que apenas “bandidos” foram mortos durante o regime.
Apesar da censura que sofreu, o diretor alertou em entrevista ao Canal Brasil do perigo da autocensura nesse período tão sombrio para a cultura brasileira, pois é isso é exatamente o que o governo deseja. Segundo Moura, a arte é uma das formas de resistência ao governo brasileiro.
Ainda para o Brasil de Fato, o diretor contou que as produtoras ficaram receosas com o longa já no início na produção e que ele sabia que não seria fácil, ”é um filme do petralha falando de terrorista”, brinca. Ele completa que o período em que o país vive influencia na percepção do público e que esse aspecto é primordial para a obra.
Em meio a tudo que o filme já passou mesmo sem ainda ter sido lançado, Moura diz estar “preparado para a porrada” e que sabe que sofrerá ataques após todos assistirem ao longa e relata que o set de filmagem sofreu ameaça de invasão.
O primeiro pedido de liberação feito à Ancine em setembro de 2019, veio após o discurso de Jair Bolsonaro em julho do mesmo ano em que o presidente transferiu o Conselho Superior de Cinema da pasta do Ministério da Cidadania para a Casa Civil. Nesta data, Bolsonaro alegou que o financiamento federal para filmes não poderia ser destinado para filmes de “ativismo” ou como o da “Bruna Surfistinha”. Mas o diretor do filme admitiu para o Brasil de Fato que não tem medo dos “trolls” da internet, e nem das possíveis ameaças.
A estreia do filme será em mais de 300 salas de cinema em todo o Brasil no dia 4 de novembro, no 52° aniversário de morte do militante. Na semana passada, algumas capitais já contaram com a pré-estreia do longa, começando pela terra natal de Marighella, a Bahia.
Ocorrerá também exibições especiais em uma ocupação do MTST em São Paulo e em um assentamento do MST na Bahia. Moura também contou que prometeu a Guilherme Boulos apresentar o filme na sede do MTST em São Bernardo do Campo, cidade berço das greves sindicais e onde mora atualmente o ex-presidente Lula, mas ainda não há mais informações sobre essa exibição.
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