A Fundação Fernando Henrique Cardoso (FHC) realizou no dia 19 de julho um webinar sobre “A força da extrema direita nas redes sociais: ideologia e estratégia” para entender como opera o bolsonarismo. Para debater a respeito, convidaram dois pesquisadores que coordenam o Observatório da Extrema Direita (OED): Guilherme Casarões, doutor e mestre em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), e Isabela Kalil, mestre e doutora em antropologia social pela USP. O evento foi mediado por Sérgio Fausto, cientista político e diretor geral da Fundação FHC.
Nossa repórter Letícia Coimbra participou do evento e nos conta o que de melhor rolou no papo.
Internet amplificou o alcance da extrema direita
Abrindo os trabalhos, Isabela Kalil, uma das maiores estudiosas do bolsonarismo no país, afirmou que a internet não criou pessoas de extrema direita. Segundo ela, essas pessoas já conviviam conosco, mas as redes sociais abriram a possibilidade de que certas atitudes e discursos ganhassem visibilidade. “Essas práticas não são novas, mas ganham um meio de se amplificar”, afirmou.
Segundo Guilherme, a extrema direita tem conexões por todo o mundo e considera que, no Brasil, Olavo de Carvalho foi o maior influenciador da sua articulação, quando ainda em 2013, fazia transmissões no Google Hangouts com Bia Kicis, Allan dos Santos, família Bolsonaro e outras figuras desse campo no país.
Grupos bolsonaristas
Guilherme Casarões separa o bolsonarismo em três categorias:
- Grupos de interesse (não são necessariamente nativos das redes, mas usam as plataformas): evangélicos, armamentistas, empresários e médicos;
- Criadores de narrativas que sustentam a extrema direita: ultracatólicos, jornalistas e influenciadores;
- Tropa de choque (disseminam as ideias): vaporwave (memes com estética retrô e futurista), gamers, cidadãos de bem e robôs do Bolsonaro.
De acordo com ele, os grupos agem no movimento em quatro etapas:
- emulação: reprodução de ideias da extrema direita global;
- adaptação: traduzir para a realidade brasileira;
- coordenação: articulação entre os membros dos grupos;
- legitimação: adesão de seguidores, corroboração interna e validação externa (com grupos da extrema direita estrangeira intensificando o movimento).
Um dos exemplos citados pelo pesquisador é o caso do grupo dos armamentistas, que reproduzem discursos como o de Marjorie Taylor-Greene, política e teórica da conspiração da extrema direita que atua na Geórgia, nos Estados Unidos, coordenado por olavistas, influenciadores e jornalistas. Esse grupo também se legitima através da ocupação de espaços políticos no governo e no legislativo. Como exemplo de armamentista é citado o deputado Daniel Silveira, que foi preso por ordem do STF.
Como age a extrema direita brasileira
Segundo Kalil, a manifestação do dia 15 de março de 2020, que pedia o fechamento do Congresso Nacional, inaugurou a sequência de atos antidemocráticos e “o uso de uma tecnologia política”. A pesquisadora explica que devido à pandemia, a estratégia foi transportada para a internet e desembocou em evento negacionista em relação à pandemia. Ela diz que os bolsonaristas falam em códigos nas redes, usando, por exemplo, o artigo 142 para se referir indiretamente à intervenção militar. Além disso, para entrar nos trending topics do Twitter, tendem a usar termos em inglês ou antigos, como, por exemplo, a hashtag #bolsonaroday porque têm maior chance de ficar nos assuntos mais comentados da plataforma.
Isabela Kalil lembra de pesquisa da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FespSP), realizada em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que mostrou que 55% dos compartilhamentos dessa hashtag foram feitos por usuários com comportamento inautêntico, ou seja, por robôs (máquinas) e ciborgues (robôs administrados por seres humanos). A pesquisadora ressalta que robôs não votam, mas podem influenciar a opinião pública.
Casarões diz que o grupo olavista abriu caminho no serviço digital e que a extrema direita se utiliza de pessoas que nasceram na era digital para montar sua estratégia, se valendo de uma comunicação simples e direta, enquanto a esquerda brasileira tem um vocabulário academicista, que torna mais difícil o entendimento da população. Kalil destacou que a direita não tem medo de errar, e o efeito que estão colhendo agora é fruto de pelo menos uma década de empenho.
Mais audiência para o bolsonarismo
A pesquisadora afirmou também que a esquerda tende a se comunicar com a própria bolha, enquanto a extrema direita tende a falar para a oposição. Ela explica que, para os bolsonaristas, é rotineiro e comum o que eles dizem, e por isso não se dão tanta relevância. Segundo ela, os progressistas tendem a repercutir e compartilhar esses absurdos, dando audiência e em alguns casos aumentando a popularidade da extrema direita.
“A verdade é que o campo progressista trabalha de graça para a extrema direita, o tempo todo”, afirma Isabela Kalil.
Sobre o que compartilhar ou não, Kalil explica que se a insanidade foi proferida por alguém que ocupa um cargo elevado como Bolsonaro, não adianta evitar repercutir, porque ele já tem muito destaque. Mas, no caso de influenciadores médios ou pessoas anônimas, é importante não repassar porque aumenta a visibilidade da pessoa em questão.
Presença da extrema direita nas redes independe do resultado eleitoral
“Bolsonaro é uma figura sebastianista que representa o movimento, mesmo fora do governo, não sairá dos holofotes”. Como referência, Guilherme Casarões cita o movimento conservador nos EUA, e afirmou que apesar de Trump não estar mais na presidência, o trumpismo se enraizou na sociedade. Se mesmo em democracias consolidadas, a extrema direita tem o seu lugar, no Brasil, não será diferente e que o lugar ocupado pode ser ainda maior.
Isabela Kalil acredita que o movimento veio para ficar, principalmente no meio digital. Ela diz que o número de ultradireitistas usando a internet representa pouco em comparação com a população em geral, mas eles podem influenciar a opinião pública sem que percebam. A pesquisadora usou como exemplo a desconfiança do sistema eleitoral mesmo entre as pessoas moderadas, que podem se sentir desmotivadas a votar devido a isso. “Por que eu vou sair da minha casa e votar se é tudo fake, manipulado?”, disse. Segundo ela, esse movimento de Bolsonaro descredibilizar as urnas eletrônicas e todo o processo eleitoral é para que parte dos brasileiros não vote. “Não é só votar ou não votar no Bolsonaro, é deixar de votar para não votar nos outros candidatos”, finaliza.