por Fernando do Valle
Agora fica mais cristalino que a água (ops!) o motivo que leva parte da classe média a posar orgulhosa em selfies com a tropa de choque alckimista. Naquele momento, as forças policiais recebiam seu voto de confiança para prosseguirem seu trabalho de colocar “em seu devido lugar” a juventude pobre. Poucos meses depois das constrangedoras fotos, a PM retribui o apoio. A extrema violência da repressão policial aos protestos dos estudantes das escolas públicas que lutam contra o fechamento de 94 escolas estaduais pelo governador mostra que o diálogo com os estudantes mais pobres é na base do cassetete. Nas fotos e vídeos que circulam pelas redes sociais nestes dias não há espaço para o sorriso fake de uma selfie.
Tentei explicar pra minha filha de 9 anos o que acontecia enquanto assistíamos um vídeo em que policiais militares prendiam com violência estudantes no pátio de uma escola, ela me perguntou: “pai, eles podem fazer isso na minha escola também?”. Respondi que não e fiz esforço hercúleo para esclarecer os motivos que a protegiam desse tratamento desumano da polícia, não sei se ela entendeu. Aquela pergunta me persegue há dois dias e imaginei um hipotético e improvável cenário em que os alunos de uma escola particular de um bairro considerado nobre ocupem a escola em protesto contra a diretora que não tomou nenhuma providência após um acidente grave de trânsito com um aluno em frente à escola. Irmã de um delegado, a diretora desesperada liga 190 e a PM invade sem mandado o estabelecimento particular. Seria mais ou menos assim:
Pietra foi presa hoje pela manhã, em estado de choque, sua mãe já esvaziou duas cartelas de calmante tarja preta. Um advogado que estudou na mesma escola do pai da adolescente a soltou prontamente. Para se recuperar do trauma, em janeiro, Pietra embarca para um intercâmbio no Canadá para aprimorar seu inglês.
Leonardo tentou impedir a entrada da PM na escola, foi enforcado pelo cassetete de um PM enraivecido e ficou com dois hematomas no rosto, mesmo com 15 anos, seu pai o levou ao pediatra que o atende desde que nasceu, “você sabe como é médico de convênio”, sua mãe escreveu para uma amiga pelo celular depois que deixou um cheque-borracha de R$ 450 pela consulta.
O pai de Fred adora publicar memes contra a “corrupissão” no face, nos protestos de março e abril na Paulista, tirou selfies com a tropa de choque com a hashtag #vemprarua. Achou melhor Fred ficar em casa no dia da invasão quando soube da movimentação dos estudantes no dia anterior. Quando chegou do trabalho e Fred contou sobre a invasão da escola pela polícia, ele ligou para seu primo juiz e exigiu providências: “você tem que mexer os pauzinhos, o que aconteceu foi muito grave!”
Catarina ficou assustada com a violência da PM e perguntou antes de dormir pra avó os motivos de tanta raiva no olhar de um soldado. Sua avó respondeu: “é que o Brasil é muito violento, minha neta, e se eles não fizerem nada, isso vira uma bagunça”. Catarina não entendeu.
No dia após a invasão, o governador convocou a imprensa para uma coletiva para comunicar a demissão de seu secretário de segurança e do comandante da PM. Hoje pela manhã, pais, alunos, professores fecharam a avenida em frente da escola em uma passeata contra a violência. A PM não deu as caras, pelo jeito, não ia rolar selfie.