Imagino Dom Helder Câmara no país destes dias sombrios, hipócritas, de bancada da Bíblia e fundamentalistas. E não é preciso muito imaginar, porque ele já nos respondeu em uma crônica para o rádio em 28 de janeiro de 1977. Da fala e texto, destaco:
“É impressionante como é fácil parecer bom e como é difícil ser justo. Mas Justiça, para muitos, tornou-se uma palavra perigosa e feia”.
Dom Hélder Câmara nasceu há 110 anos, em 7 de fevereiro de 1909 em Fortaleza e morreu em 27 de agosto de 1999 em Recife
Notaram Sergio Moro e Cia?
E continuou Dom Hélder Câmara para estes dias:
“Meu amigo Luís Antônio meteu na cabeça que falar em Direitos Humanos, bater-se pela justiça, é linguagem de quem, sabendo ou sem saber, está mordido de comunismo. Tentei um dia lembrá-lo: os Direitos Humanos foram proclamados solenemente pela ONU, inclusive pelo Brasil”
Sim, ministrinho medíocre das relações exteriores. Sim, bancada da bala e da bíblia prestem atenção na fala acima de 1977. E continuou Dom Hélder a falar para o Brasil de hoje:
“Meu amigo Luís Antônio comentou: ‘a ideia de Direitos Humanos foi generosa e justa, mas os comunistas se meteram no meio’. Ele acha que os Papas se deixaram iludir por esquerdistas, que se a Igreja se preocupar com os Direitos do Homem e com a justiça como condições para a paz, não será mais a Igreja de Cristo. Luís Antônio, cuidado! Você quer é que a Igreja dê cobertura a seus interesses bastante egoístas”.
Eu poderia parar aqui. Nos parágrafos acima, Dom Hélder já falou o essencial para os religiosos atrasados do Congresso Nacional. Já expressou muito bem as trevas dos bolsonaristas, bolsominions, que viraram um palavrão. Mas posso ir um pouquinho mais para situar o profeta destes dias, quando ele falava sobre o Brasil da ditadura.
Lembro-me de Dom Hélder Câmara em duas ocasiões. Na primeira delas, nos anos 70, a repressão política havia aprisionado vários auxiliares dele, poucos anos depois de haver assassinado o Padre Henrique, auxiliar direto do seu trabalho na Arquidiocese.
Nessa ocasião, em que o vi pela primeira vez, pude notar um dom desse padre poucas vezes mencionado. Dom Hélder era um orador excepcional. Franzino, baixinho, havia um cérebro de pensador na sua voz, um talento de ator que o fazia crescer com uma dicção a acentuar as palavras conforme o seu desejo. Ele fazia pausas no discurso, intervalos cujo único fim era imprimir o seu pensamento em nossos espíritos.
“A Vida é um dom divino. É o nosso Deus, o nosso Criador e Pai que nos chama à Vida. Ele veio à terra para que todos tenham Vida e Vida plena… Ora, a Vida está sendo atingida, aviltada, ameaçada de extinção”
No discurso vivo de Dom Hélder havia uma chama calorosa, que os crentes e ele próprio diriam ser um fogo do Espírito Santo, que tomava conta do seu rosto, da sua expressão, de suas palavras. Com os olhos graúdos, sem gritar, ele comovia a todos. Para falar do afeto que nos unia aos presos, da nossa comum preocupação, para ressaltar que éramos solidários, ele fez com que todos cantássemos o “Como vai você?”, de Antonio Marcos, que era sucesso na voz de Roberto Carlos:
“Como vai você?
Eu preciso saber da sua vida.
Peça a alguém pra me contar
Sobre o seu dia.
Anoiteceu e eu preciso de saber”
Da segunda vez, eu não o vi, mas pude ouvi-lo no rádio. Dom Helder perguntava no ar:
“O que fazer quando as flores murcham? Uma roseira já me perguntou se eu acredito que Deus ressuscitará também as flores…Os teólogos que me perdoem, se é teologicamente sem base o que vou dizer: eu não posso imaginar um céu sem flores.
O que fazer quando as flores murcham? O que responder a uma roseira sozinha, que não terá um Deus a seu lado na ressurreição, porque um dia ela será murcha?”.
E respondia o poeta Hélder Câmara: “Eu não posso imaginar um céu sem flores”.
Hoje, continuamos a sua fala: nós não podemos imaginar um mundo, em qualquer céu, onde não caibam todas as diferenças. E mais. Pois assim como existem urtigas entre as flores de humanidade, também existe chão até para os fanáticos da bíblia, aquela que se lê com preconceito e fundamentalismo. Mas em seu devido lugar: fora do poder de nos obrigar a seu atraso. As flores de Dom Hélder pedem passagem.
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