O documentário Surplus (2003) contrapõe o consumismo ao ‘Ahorre, consuma solo lo necesario’ (placa oficial que aparece de relance em uma rua de Cuba). Dirigido pelo italiano radicado na Suécia Erik Gandini, o conteúdo do filme, embalado em uma edição rápida, baseia-se em paradoxos como a escassez de um supermercado cubano e a chuva de propaganda norte-americana.
Uma das traduções para surplus é supérfluo. Na mosca. Vivemos em um mundo em que somos diariamente convencidos de que o inútil é necessário e, com isso, alimentamos nossa sede infinita por novidades. O resultado é visto em um horizonte de milhares de pneus usados. As rodas de borracha em metamorfose substituem árvores e vegetação e formam uma espécie de paisagem da ‘natureza artificial’.
Mas existe uma pequena ilha em que o consumismo é atacado pelo chefe-mor em discursos intermináveis. Surplus encontra duas adolescentes cubanas que escaparam das vistas do comandante e surtam em supermercados e Burger Kings. O deslumbre das duas com a abundância do ‘primeiro mundo’ nos recorda de como as tentações seduzem corações e bolsos, fortes ou fracos.
Além de Fidel, figuras emblemáticas de uma década atrás como Bush e Berlusconi estrelam o filme. Hoje, são cada vez mais personagens do passado. Berlusconi tenta voltar ao jogo de qualquer forma, Bush foi praticamente esquecido e Fidel sofre com a saúde debilitada.
O irmão gêmeo Corporation e o primitivo Zerzan
Ao lado de outro documentário, Corporation (também lançado no ano 2003), Surplus previu, de uma certa forma, a crise de 2008. O descontrole do mercado financeiro e o Estado ajoelhado perante às companhias multinacionais ia dar no que deu.
Outras duas figuras que habitam dois planetas completamente distintos são o filósofo anarquista John Zerzan e o descontrolado Steve ‘Microsoft’ Ballmer e seu mantra ‘I love this company’.
Crítico severo da busca da felicidade em uma carreira, Zerzan levava sua ideologia às últimas consequências e sobrevivia de doações de seu próprio sangue. Corta! Ballmer surta no palco de um auditório lotado e indica que a saída para todos está no amor neurótico à empresa em que você trabalha.
Para o niilista Zerzan, inventor do chamado anarcoprimitivismo, as promessas de bem-estar material são muito vazias. Segundo ele, “há dois milhões de anos, não existiam guerras e as pessoas tinham tempo livre, isso é inspirador”. Para Zerzan, se praticamente tudo deu errado, porque não começarmos tudo de novo.