O CONVERSA AO VIVO ZONACURVA recebeu nesta quinta-feira (14) a presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Flávia Calé. Em conversa com o Fernando do Valle (editor do Zonacurva), ela comentou sobre sua preocupação com o futuro da pesquisa científica no Brasil e o projeto “antinacional” do governo Bolsonaro.
Publicado em março, o Orçamento da União de 2021 divulgou o menor número de recursos destinados à educação desde os anos 2000. “A ciência brasileira retrocedeu aos patamares dos anos 90. Apenas 13% das bolsas aprovadas por mérito acadêmico poderão ser efetivadas com esse orçamento”, diz a entrevistada.
Calé também aponta que o sucateamento da educação, o negacionismo científico e econômico fazem parte do plano de destruir o Brasil, que ela nomeou de “ projeto antinacional.
A escolha de professores, alunos e cientistas como inimigos da nação é a cortina de fumaça necessária para que Bolsonaro siga com o seu plano. A fuga de cérebros, fenômeno que ocorre quando profissionais brasileiros vão para outro país exercer suas ocupações, e o apagão de dados também foram temas abordados pela presidenta da ANPG.
“O Brasil vem sofrendo um apagão de dados com a não realização do censo do IBGE, o desmonte do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). E tudo isso impossibilita a construção de políticas públicas”, afirma Flávia Calé.
Ela também alerta sobre da falta de dados e diagnósticos em relação ao impacto que tem a evasão dos cientistas brasileiros para o Brasil. Entretanto, para Calé, o fenômeno “crônico e dramático” da fuga de cérebros não é o pior para o futuro da educação brasileira. Ela aponta que a crise econômica e os desmontes dos centros de pesquisa ocasionam algo muito mais grave que é a desistência da área científica. Calé explica que a educação é uma possibilidade de mobilidade social, e que, nos últimos 20 anos, diversas economias familiares giravam em torno dos estudos de um integrante da família.
Deste modo, enquanto todos da casa trabalhavam e um tinha a oportunidade de estudar em uma universidade, e assim surgiam as histórias de pessoas que eram as primeiras da família a irem para a universidade. “Acontece que, com a crise econômica, esses estudantes, que antes poderiam só estudar, agora precisam ir atrás de um emprego. Além disso, também temos milhares de estudantes endividados com o FIES, por terem perdido seus empregos” explicou a entrevistada.
A crise econômica e o projeto antinacional atingem diretamente a esperança de milhões de jovens, foi assim que o Enem 2020 teve abstenção de 50% dos alunos inscritos. Calé relembra que essa desesperança coletiva entre os jovens é a mesma do ano de 1998, quando o exame estava em seu primeiro ano de aplicação. Nesta época, alunos de escolas públicas não enxergavam a universidade como possibilidade de futuro.
Para Calé, a chance de superação dessa crise econômica também está na educação, “A indústria automobilística brasileira, por exemplo, está em crise por falta de insumos e novas tecnologias, sendo assim a forma de melhorar isso é justamente com o investimento nessa área e na ciência”.
Em seu segundo mandato como presidente da ANPG, associação estudantil com mais de 30 anos e que vem lutando pela garantia de direitos dos pós-graduandos brasileiros, Calé e a diretoria da associação estão convocando a paralisação em defesa da ciência e pela garantia de mais de R$ 5 bilhões para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(FNDCT), no dia 26 de outubro.