Um quarteirão inteiro de moradias de madeira da comunidade conhecida como Buraco Quente, no bairro do Campo Belo (zona sul de São Paulo), foi destruída em incêndio na noite de ontem. As chamas com mais de 10 metros de altura deixaram desabrigadas cerca de duas mil pessoas, segundo a Defesa Civil do município. Não houve vítimas e uma pessoa foi atendida por intoxicação pela fumaça.
Há dois anos, em 3 de setembro de 2012, um incêndio destruiu em poucas horas as residências no mesmo local. Os moradores reconstruíram suas casas em poucas semanas.
Assista ao vídeo do incêndio em 2012.
No momento do incêndio, o hidrante localizado na rua Cristóvão Pereira, ao lado da favela, não funcionou. Um dos moradores e voluntário do programa Previn (Prevenção a Incêndios em Assentamentos Precários) quase foi agredido pelos outros moradores.
As vítimas do incêndio empilharam eletrodomésticos, roupas e mantimentos no canteiro central da avenida Roberto Marinho, onde são realizadas as obras de construção do monotrilho da Linha 17. Parte dos desabrigados passou a noite em uma igreja evangélica próxima e a prefeitura irá fazer um cadastramento para encaminhar as famílias para abrigos.
Em abril de 2012, a Câmara de Vereadores formou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os frequentes incêndios em favelas. Em setembro do mesmo ano, matéria do site Carta Maior denunciou que os seis vereadores que integravam a comissão receberam em suas campanhas vultosas doações de empresas do setor imobiliário. Várias reuniões da comissão foram canceladas e até o momento, pouco foi produzido.
Mais de 1200 incêndios ocorreram em favelas nos últimos 20 anos. Um grupo de estudantes de jornalismo da PUC-SP resolveu investigar a relação desse alto número de incêndios com a especulação imobiliária. Para isso, entrevistou moradores de favelas, políticos, urbanistas, entre outros. O resultado do trabalho pode ser visto no documentário Limpam com fogo. Para finalizar o filme profissionalmente, o grupo já arrecadou R$ 36 mil no Catarse , plataforma de financiamento coletivo.
Em entrevista à revista Carta Capital em junho deste ano, Conrado Ferrato, um dos realizadores do documentário, afirmou:
“Quando falamos que a especulação está por trás dos incêndios não estamos querendo dizer que construtoras e incorporadoras acenderam um fósforo, queimaram as favelas e construíram um prédio no lugar – isso é uma simplificação grosseira. É algo mais sutil. Pense que um bairro que vem se valorizando está passando por muitas obras, que atraem mais interesses para essa região. Esses interesses envolvem coisas como melhorias de mobilidade, lazer e segurança – esse último quase sempre se traduz em uma vigilância sobre as favelas da região. Essa vigilância impede a consolidação dessas comunidades, que mantêm um caráter construtivo precário, com paredes de papelão e madeira e alta densidade de moradias, todos os fatores que contribuem para um grande incêndio. Não se trata de tacar fogo, mas de deixar queimar”.