No ano de 2014, virou moda entre direitistas pseudo politizados mandarem as pessoas para Cuba. Coincidentemente, havia reservado minha passagem para passar as festas de final de ano na ilha caribenha. Curioso para sentir de perto a realidade do povo, fiquei hospedado nas famosas casas particulares, imóveis de cubanos que se transformaram em uma nova modalidade de hostel, que nos dão a oportunidade de viver junto aos moradores locais, compartilhando refeições, conversas sobre todos os assuntos e sentir no dia-a-dia os pontos positivos, negativos e as contradições do regime.
Na cidade de Havana, fiquei hospedado por 8 dias na Casa Doña Clara, no bairro de Vedado e que nos permitiu contato real com a vida das pessoas e da metrópole. Na cidade histórica de Trinidad, no litoral sul da ilha, passei 3 dias no Hostal Los Hermanos, onde fomos tratados com muita atenção e com ingredientes abundantes na ilha: boa educação, amor e carinho no trato cotidiano entre as pessoas.
De cara, posso afirmar que Cuba pode ser identificada com qualquer coisa, menos com uma ditadura, afinal como pode ter esse nome um governo de um país que garante acesso às escolas e hospitais para todos e praticamente erradicou a venda de drogas e a violência urbana.
É certo que a ausência de eleições diretas para o poder executivo não pode ser apontada como uma das qualidades do país. Mas democracia, na acepção da palavra, significa governo do povo, e um país com tantas assembleias populares, conselhos regionais e que elege seus deputados da assembleia parlamentar periodicamente, exerce a democracia na sua forma direta já que esses representantes se elegem e dão forma ao governo e votam nos chefes do executivo, além de apresentarem leis e planos de trabalho para atender às demandas da população.
A professora Anita Leocádia Prestes, filha do líder comunista Luís Carlos Prestes e de Olga Benário, explica como funcionam as assembleias populares em Cuba. O sistema pode ser criticado por não contar com eleições majoritárias, mas poucos países contam com um sistema consultivo da população como o da ilha caribenha.
Leia texto sobre a eleição de Raúl Castro em 2013 (em espanhol).
http://www.elmundo.es/america/2013/02/02/cuba/1359839026.html
A ladainha repetida pela mídia corporativa brasileira que insiste em chamar Cuba de ditadura comunista é fruto de quem não conhece a sociedade e história cubana, preferindo replicar informações distorcidas do império yankee, em especial de think tanks financiados pelos gusanos de Miami.
Cuba não é tão pouco comunista, talvez socialista, pois se consome e muito na ilha de Fidel e Raúl. Além das lojas estatais, que vendem os tradicionais charutos, as marcas de rum e artesanato bem diversificado, existem supermercados com boa variedade de produtos (muitos brasileiros) e lojas da Adidas, Puma, Mercedes Benz, além das centenas de restaurantes particulares, cafeterias, hotéis espanhóis, canadenses, alemães e italianos.
Se muitos, por desconhecimento ou ideologia, acham que o governo cubano não permite o acesso da população à internet, saibam que estão 100% enganados. Existe internet em toda a ilha, mas o criminoso bloqueio estadunidense contra Cuba impede que se forneça acesso de banda larga para a população, ficando a internet local na era das conexões discadas, fornecido por Universidades que contam com convênios internacionais.
Apesar da lentidão da rede, os cubanos possuem e-mail, conta no facebook e montam seus blogs. Adoram estar conectados, só não estão mais presentes na web em função das restrições impostas pelo bloqueio ao país.
O socialismo em Cuba efetivamente existe e está na educação de qualidade para todos, na saúde pública e gratuita, na aceitação das religiões de matriz africana e do homossexualismo como manifestação normal da individualidade, mesmo em uma sociedade de origem machista e cotidianamente militarizada.
Também pode ser claramente notado pela profusão de manifestações culturais que vão das artes plásticas ao rock, da rumba ao cinema nacional e internacional com importantes escolas de cinema e festivais, da trova e nova trova cubana ao jazz de qualidade que se ouve com facilidade nas casas de shows em Havana.
Me chamou muito a atenção de como hoje se encontra com tranquilidade Coca-Cola, absorvente higiênico e outros produtos de consumo em toda Cuba, e com preços acessíveis atualmente para a população. Isso se dá, diga-se de passagem, sem que se ceda aos excessos da propaganda, deixando todo indivíduo livre para decidir por conta própria o que consumir, sem se transformar em vítima da manipulação de corações e mentes que tão bem o marketing sabe construir.
Acho que o país entra agora numa nova fase, onde quem acredita que será uma abertura descontrolada e que, em meses, Cuba voltará a ser um satélite dos EUA, irá quebrar a cara. Afinal a sociedade local efetivamente funciona e seu povo conta com um dos melhores níveis culturais do planeta em função da educação de qualidade e pela valorização dos professores na sociedade.
Repito o que ouvi de um cubano: “Fidel Castro venceu mais uma batalha contra seus algozes, provavelmente a última, e agora poderá descansar em paz, já que cumpriu a missão de resistência ao capitalismo desvairado, e apesar de todos os erros cometidos em mais de 50 anos de Revolução, ajudou a construir uma verdadeira Nação. Cuba tem muito a ensinar e claro também muito a aprender com todos nesse conturbado século XXI”.
Minha crítica principal ao regime está na militarização da sociedade, com uma presença exagerada das forças armadas no dia-a-dia da população, gerando inevitáveis conflitos, em especial com os mais jovens, que não conheceram as mazelas de antes da Revolução.
A foto acima revela o conturbado relacionamento Cuba-Estados Unidos: em 2006, a embaixada norte-americana instalou um telão na janela de seu prédio para transmitir mensagens contra o regime cubano. Fidel revidou: colocou 138 bandeiras em frente ao edifício da embaixada.
Sinto que agora todos terão uma grande oportunidade, e que naturalmente se entre numa época em que a sociedade civil terá a missão de assumir as rédeas e o futuro do país, herdando uma base diferenciada com invejáveis índices sociais.
Os cubanos se sentem prontos para encarar o futuro, e mudar sim, mas sem perder a tenacidade construída nesses anos de luta, que lhes brindou com valores morais que foram corrompidos em todo ocidente através da sociedade de consumo, onde Ter é muito mais importante do que Ser, e o individualismo é a ordem do dia.
Cuba e seu povo são autênticos, felizes, coloridos e solidários. Longa vida às conquistas do povo cubano!