Colaborou Letícia Coimbra
O CONVERSA AO VIVO ZONACURVA recebeu no dia 30 de junho Elias Jabbour, doutor e mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, além de escritor e professor dos Programas de Pós-Graduação em Relações Internacionais (PPGRI) e em Ciências Econômicas na UERJ (PPGCE). O programa foi apresentado por Fernando do Valle, editor do Zona Curva.
Há 25 anos, Elias se dedica às temáticas do socialismo e da experiência chinesa. É autor de inúmeros livros a respeito, sendo “China: o socialismo do século XXI”, lançado no ano passado pela Editora Boitempo, o mais recente. Segundo ele, seus estudos sobre esses temas começaram enquanto fazia uma iniciação científica durante a graduação em 1996. Elias afirmou na entrevista que as mais variadas de forma de socialismo é o que o move enquanto pesquisador.
Propriedades públicas e privadas
De acordo com o professor, a propriedade pública predomina na China atual e o setor público é a locomotiva da economia que segue as diretrizes do partido comunista. Jabbour acredita que o socialismo vigente na China ainda é embrionário, ou seja, está em seu estado inicial e está sendo formatado gradualmente.
“A China não é um país capitalista do ponto de vista jurídico. De acordo com a Constituição, a propriedade pública dos meios de produção é o lucro da economia chinesa, e as outras formas de propriedade são auxiliares”.
O professor ressalta que, diferente do ocidente, na Ásia, a propriedade privada é concessão do Estado, podendo ser contestada pelo mesmo. Por outro lado, ele afirmou que há áreas econômicas no país controladas pelo setor privado.
“Essa questão do setor privado é muito mal explicada e muito enviesada, porque nós somos muito apegados à forma privada […] No fundo, o direito do capitalismo é o direito de regular e legitimar a propriedade privada. O código civil é um elemento que institucionaliza e praticamente sacraliza a propriedade privada”.
Como funciona o Partido Comunista da China
Jabbour explica que para entrar no Partido Comunista é necessária a aprovação, e mesmo o líder chinês Xi Jinping conseguiu apenas na nona tentativa. E mesmo após a admissão, existe um longo processo obrigatório até “chegar no topo da pirâmide”. Segundo ele, a base que elege um deputado é a mesma que cassa seu mandato, causando maior rotatividade e impossibilitando, por exemplo, de alguém como Bolsonaro permanecer no mesmo cargo por quase três décadas como deputado.
“Eu acho que esse sistema chinês é uma democracia não-liberal, cujas possibilidades – ‘possibilidades’, não estou falando que é real – são muito maiores do que aqui no ocidente. […] Apesar de ser um partido único, as políticas da China mudam o tempo inteiro”.
Relação do Brasil com China e Estados Unidos
Em resposta à pergunta de Fernando se Lula seria pró-China em repercussão à reunião de Jair Bolsonaro (PL) com o presidente dos Estados Unidos Joe Biden na Cúpula das Américas, em que o presidente atual tentou o apoio norte-americano para sua reeleição com base nessa afirmação, Elias explica que o petista é um “estadista” e, portanto, tem a visão de que “o Brasil é muito grande para caber no quintal de alguém, nem da China nem dos Estados Unidos”.
“O Brasil tem uma tendência histórica de se apropriar desses conflitos de hegemonia no mundo para se dar bem no final”, afirma. “O que eu vejo não é que o Lula seja pró-China, é que a China tem muito mais a oferecer para o Brasil do que os Estados Unidos”, diz o professor. Ele ressalta que é natural que a China tenha relações com o Brasil porque ambos têm interesses em comum, mas destaca que também é importante manter uma boa relação com o país norte-americano.
“O Brasil sofre intervenções estrangeiras desde 2013 […] e o Lula sabe disso, tanto é que a palavra que ele mais fala em seu discurso é ‘soberania’, hoje ele é o cara da soberania nacional”.
O professor explica que a relação com a China traz benefícios a longo prazo, mas as elites brasileiras se apegam muito em interesses imediatos’. “A China garante para o Brasil grandes superávits comerciais, que resolvem nosso problema a curto prazo, mas acaba com o nosso longo prazo, porque o Brasil vai se precarizando”. O professor ressalta a importância de manter acordo estratégico onde o Brasil receba, em troca, grandes investimentos em infraestrutura.
Falando ainda sobre Lula, ele afirma que o petista “tomou para si a bandeira do Brasil”, se tornando um líder nacionalista, que prioriza os interesses do país independentemente dos conflitos externos.
Recentemente, Irã e Argentina fizeram um pedido de adesão aos BRICS, um bloco de países emergentes no qual fazem parte Brasil, Rússia, Índia, China e Africa do Sul. Pensando que quase metade da população mundial está inclusa nesse grupo e que países como Rússia e China são atualmente grandes influenciadores globais, o professor explica que a tendência é que mais nações façam parte dele e que sua relevância seja ainda maior que a do G7, grupo que reúne os sete países com as maiores economias do mundo.